A sã ingenuidade de António Costa Silva
No dia 8 de abril, intervindo no parlamento e em resposta ao Bloco de Esquerda, na apresentação do programa de Governo, o ministro da Economia e do Mar mostrou-se concordante com a introdução de um imposto sobre os lucros extraordinários de empresas, desde logo as energéticas, em virtude da situação de guerra e do aumento galopante dos preços aos consumidores, na sequência aliás de uma recomendação da Comissão Europeia e de outras instituições internacionais. Os ministros das Finanças e do Ambiente, este último que tutela a energia, devem ter adorado a informação recebida em direto no plenário da Assembleia da República. Poucos dias depois, Costa Silva viria, contudo, a assegurar que a medida nunca fora discutida em Conselho de Ministros e que não estava "de todo" a ser considerada. Para inauguração de funções, não está mal.
De resto, em todas as intervenções públicas do ministro da Economia e do Mar há um traço comum - o seu interesse, entusiasmo e manifesto conhecimento em torno das questões ambientais, de sustentabilidade e das questões energéticas. O pequeno problema é o de que nenhum destes elementos está na sua esfera direta de trabalho no governo... Talvez mal, porque economia, ambiente e energia são hoje a mesma coisa e o espartilhar de responsabilidades, de tutelas e de políticas, por melhor que seja a sua coordenação e mais capazes as pessoas, é hoje um risco maior do que em qualquer momento da nossa história política.
O que é certo é que no PS profundo e influente já se começa a antecipar um fim antecipado de funções de António Costa Silva, epigrafado de inábil politicamente e uma liability para o equilíbrio interno do Governo. Até porque sempre que fala, normalmente fá-lo com conhecimento e genuíno sentido de dedicação e urgência. O primeiro-ministro que se cuide - e que o cuide. As pessoas que não precisam de dinheiro, de currículo, de trabalho ou de exposição pública são sempre uma maçada, porque arriscam ser livres e dizer o que pensam. E tendem até a ser bem-intencionadas e generosas para com os outros. Tudo junto é uma mistura explosiva na máquina sensível de gestão de egos e expetativas que é sempre um qualquer governo, de qualquer partido.
Como me contava há anos um antigo membro de um governo inglês, um truque que usava era, em cada conversa significativa que tinha, fingir perante os seus interlocutores que havia acabado mesmo de falar com o primeiro-ministro e que naturalmente ele suportava as suas propostas e prioridades... E tal facto, de vez em quando, até corresponderia à realidade. Maquiavelismo? Sim - mas essencialmente sabedoria de alcova política.
O problema dos que vivem com o "estigma do bom aluno" é que sabem muito de muitas coisas. No caso, desde shale gas à reforma dos licenciamentos ou aos modelos públicos para incentivar um desenvolvimento sustentável... Ao contrário afinal do que ensina a prudência aplicada à função governativa, que é saber-se pouco de muitas coisas. E, especialmente, saber decidir.
Como a procissão ainda vai no adro, e a descer todos os santos ajudam, parece que há tempo para fazer coisas bem feitas e ir dando a dimensão devida à pequenez dos factos e dos criadores de factos. Desde que Mariana Mortágua não pergunte ao ministro da Economia como vai resolver os problemas de contratação de médicos para o SNS ou assegurar um funcionamento mais ágil dos tribunais tributários... Até porque provavelmente teria resposta.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa