Os recentes episódios de violência espoletados pela morte de Odair Moniz alarmaram o País e foram causadores de múltiplas vítimas, estas já sem direito a serem nomeadas no espaço mediático. Perante estes acontecimentos temos primeiro de lamentar a perda e a dor sentidas, seja pela família de Odair, seja pelo motorista incendiado num autocarro, seja pelos vários feridos e pelos diretamente afetados pela destruição causada. Mas essa componente emocional, que sempre nos move enquanto seres humanos, não deve determinar que nos precipitemos. Medo e aversão são reações naturais, mas raramente são bons conselheiros..Nesse sentido, não pretendo contribuir com este artigo para desinformação polarizada, tomando posição sobre um ou outro lado da discussão de trincheira já iniciada. Há investigações que devem seguir o seu curso e, responsavelmente, devo aguardar as suas conclusões..Há, no entanto, uma questão mais transversal que me é suscitada por todo este desenrolar de acontecimentos, que é a relação do espaço público com a comunidade e os cidadãos. Afinal, o que se passou nas ruas do Bairro do Zambujal e de outros bairros? Têm essas ruas donos?.O espaço público é muito mais que alcatrão, calçada ou espaço verde, é o tecido e a rede infraestrutural que une espaços privados e que existe para uso individual ou comum por parte de todos. É no espaço público que circulamos a pé ou por vários meios de transporte, com ou sem destino, e onde também aparcamos. Praticamos atividade física ou de mero lazer, sozinhos ou em família, passeamos os nossos animais de estimação, encontramo-nos com outros..No espaço público desenvolve-se atividade económica, seja comercial (um jornal de um quiosque, castanhas de um assador, um café numa esplanada), seja o exercício de profissões, tal como motorista..É na rua que grandes festividades populares acontecem. O espaço público é também campo para a expressão individual e artística, que pode ser um graffito num mural ou uma performance musical. Pode ainda ser um local de recolhimento e reflexão ou de gozo estético..A rua está também aberta ao exercício da cidadania e da política, por via de manifestações, comícios, cartazes. Pode dizer-se que o essencial da vida comunitária e o exercício de muitas das nossas liberdades está dependente da disponibilidade do espaço público para a sua realização..Assim sendo, todos, enquanto cidadãos, somos então “donos e senhores” da rua e temos de ter o direito de nela poder fazer tudo o que signifique essa realização da vida comunitária e do exercício das nossas liberdades, desde que não ponhamos em causa esse mesmo direito a outrem..Podemos dizer que os residentes dos bairros afetados pela violência dos últimos dias estão a poder concretizar esse direito? E já o podiam antes? Infelizmente, temos vindo a assistir à captura do espaço público por várias vias, tornando muitos dos nossos concidadãos “prisioneiros” nas suas próprias casas..Independentemente de outras considerações quanto ao sucedido, o desafio que fica ao Estado e, em particular, às autarquias, é de atuarem como agentes mobilizadores no seu território das forças de segurança, organizações de moradores, instituições locais e outras entidades públicas e privadas, estabelecendo como prioridade garantir o regresso da confiança dos cidadãos para a fruição do espaço público por todos.