A relação Portugal-Brasil
Os mais pessimistas entre nós adoram dizer que Portugal é periférico na Europa, um cantinho com uma economia fraca e dependente dos fundos de coesão comunitários. A verdade é que dificilmente poderíamos descrever Portugal como uma nação com um desejo de influência no seu próprio continente, mas antes uma vontade de longa data de influência decisiva nos Atlânticos Norte e Sul. É nessa relação geográfica que Portugal é central.
É por isso mesmo que a nova posição dos Estados Unidos quanto à Europa e ao Mundo tem de ser analisada e encaixada com extrema prudência por parte de Portugal - um país que diplomaticamente sempre “bateu” com mais força do que indicia a sua pequena dimensão - e é por isso também que a relação com o Brasil deve ser acarinhada e fortalecida. Ajuda que Portugal não seja um dos prejudicados europeus - antes pelo contrário - do novo acordo UE-Mercosul. Ajuda a proximidade linguística; ajuda que se ponham de parte alguns disparates relacionados com as chamadas reparações históricas.
E ajuda que Portugal seja porta de entrada e, muitas vezes, porto de abrigo de centenas de milhares de brasileiros. É em Portugal que os cidadãos brasileiros que não conseguem uma vida decente no seu país encontram oportunidades, trabalho, ordem e, muitas vezes, progresso. Trata-se - arrisco a dizer, na sua maioria - de cidadãos de bem que vêm reforçar a economia e a segurança social nacionais.
É claro que isto cria uma oportunidade para os menos escrupulosos, como demonstram as muitas notícias que dão conta da proliferação em Portugal de células e grupos de crime organizado, como o PCC (Primeiro Comando da Capital), entre outros.
O facto de os governos de Portugal e Brasil estarem a debater e a fazer acordos, na cimeira Luso-Brasileira, entre as polícias judiciárias dos dois países, para “reforçar a estratégia de combate ao crime transnacional”, é prova disso e um bom sinal. Se forem frutuosos e eficazes.
E na área da Defesa há muito caminho a fazer, sobretudo sendo o Brasil um país fortemente exportador de equipamento militar e estando Portugal na situação de, por exigência cada vez maior da NATO, reforçar o seu investimento nesta matéria. Estamos focados nos temas económicos e na espuma dos dias de cada partido, mas haverá, seguramente, ventos contrários pela frente e o país deve estar preparado.
Resta saber como está preparada a sociedade portuguesa (se é que está) para este relacionamento com um gigante de 216 milhões de habitantes. Os portugueses estão habituados a receber, a assimilar - veja-se o caso de sucesso da imigração de ucranianos no final da década de 90 - mas não tem serviços de Educação, de Saúde e outros preparados para o descontrolo. Sem prejuízo de existir de facto racismo e xenofobia em Portugal - como em muitos outros países, Brasil incluído - essa ameaça de descontrolo pode potenciar os “casos de xenofobia contra brasileiros” que o primeiro-ministro português reconheceu em Brasília.
A mais recente cimeira luso-brasileira pode ajudar os dois governos - português e brasileiro - a esclarecerem muitos pontos de interesse comum, mas também a clarificar que tipo de relação aí vem.
Diretor-adjunto do Diário de Notícias