A rebelião dos 13 marinheiros "não caiu em saco roto"
É suposto um país pertencente à NATO com uma enorme costa marítima, no extremo ocidental da Europa, numa posição privilegiada no eixo euro-atlântico ter umas forças armadas modernas e preparadas para os desafios do futuro que contribuam para a credibilidade de Portugal enquanto país garante de segurança internacional.
Ora é tudo isto que poderá estar em risco se olharmos para a situação em que se encontra a Marinha Portuguesa, expresso sobretudo no que aconteceu com a fragata NRP Mondego.
Ninguém defende atitudes de insubordinação no seio das forças armadas e o almirante Gouveia e Melo esteve bem na reprimenda dirigida aos 13 marinheiros que trouxeram a público a situação de ausência de manutenção daquela fragata.
Mas não podemos deixar de ter uma simpatia solidária pelos 13 marinheiros que, arriscando o futuro da sua carreira, trouxeram a lume a situação de verdadeira sucata flutuante em que se encontra a fragata NRP Mondego. Com os dois motores e os três geradores que a equipam num tal estado de desgaste o navio não conseguiu, na sua mais recente missão, percorrer as 158 milhas náuticas (295 km ) que separam o porto do Funchal das ilhas Selvagens. A fragata ficou às escuras a boiar, sem geradores, com motores parados. Afinal os 13 marinheiros tinham razão sob o estado do navio. Esperamos, assim, que a pena disciplinar que vão receber pela sua atitude não seja mais do que simbólica!
A situação em que se encontra a Marinha Portuguesa é fruto do desinvestimento nas Forças Armadas portuguesas. Mas é particularmente chocante o caso da Marinha pelo perfil atlântico da costa portuguesa e pelo facto de sermos um país de marinheiros, com tradição e com um papel importante a desempenhar na Nato. Temos cinco fragatas da classe NRP idênticas à Mondego e a Nato pede-nos que, para o nosso desempenho no seio da organização, tenhamos pelo menos quatro operacionais. Ora não é isso que, vulgarmente, acontece e muitas vezes, temos apenas uma fragata operacional pondo em sério risco os compromissos que assumimos com a NATO.
A verba destinada a manutenção da frota da Marinha tem vindo a descer nas últimas décadas. Em 2010 a Marinha recebia para a manutenção dos seus navios 113 milhões de euros. Em 2021 esse valor desceu para os 72 milhões de euros. As fragatas são de construção antiga. Foram fabricadas na Dinamarca em 1992 e desactivadas naquele país em 2010. Foram depois adquiridas por Portugal em 2014. Quatro delas foram compradas por quatro milhões de euros, uma autêntica "pechincha".
Rumaram de seguida aos estaleiros do Alfeite onde foram reconstruídas e modernizadas com um custo de 7 milhões cada unidade. São, pois, unidades antigas e reconstruídas que carecem de uma permanente acção de manutenção para estarem em boas condições de navegabilidade.
Após os acontecimentos com a fragata Mondego houve os habituais movimentos políticos do estilo "casa roubada, trancas à porta". O Presidente da República veio chamar a atenção para a "necessidade da democracia portuguesa ir calibrando a sua política de Defesa, acompanhando os investimentos feitos pela generalidade dos seus aliados na NATO". E o governo lá desembolsou 39 milhões de euros para custos de manutenção para os navios da Marinha, verba que vai ser distribuída pelos próximos três anos. Portanto parece que o protesto dos 13 marinheiros "não caiu em saco roto".
Andamos, assim, à deriva um pouco como a fragata Mondego. Somos um país empobrecido e incapaz de definir as suas prioridades de investimento. Hoje vai para aqui, amanhã para ali, ao sabor das rupturas que vão acontecendo, da pressão mediática, dos protestos dos sindicatos, da agitação dos lobbies, dos lamentos dos protagonistas sociais. Falta rumo, falta uma gestão criteriosa que defina prioridades e seja rigorosa e firme nos seus objectivos. Não é só a fragata Mondego que está deriva. É o país inteiro.
Jornalista