Ao longo dos meus 52 anos de atividade como agente de mudança, sempre longe da política partidária, vivi de perto os desafios da transformação digital em várias administrações públicas, num contexto centrado nos cidadãos e agentes económicos, tendo a oportunidade de experienciar, com alguma paixão e rebeldia, cenários que se enquadraram entre a visão estratégica e a capacidade de execução. Estes cenários são universais em qualquer projeto, alternando momentos de colapsos iminentes, situações de risco, oportunidades falhadas ou resultados bem sucedidos, mas adquirem particular relevância no setor público, onde as complexidades e os desafios são múltiplos. A resistência à mudança, comum em muitas instituições públicas, é frequentemente considerada uma barreira, mas para mim constituiu na maioria das vezes um desafio, pois sempre considerei que existia nos mais resistentes a energia suficiente para impulsionar a mudança e, acima de tudo, desconfiei sempre mais da indiferença, dos acenos concordantes de cabeça ou das palmadinhas dissimuladas nas costas, do que das resistências explícitas e bem argumentadas.Quando não há apoio transversal ao projeto, nem uma estratégia clara sobre como integrar os diferentes sistemas dos organismos envolvidos, a iniciativa acaba por se transformar numa oportunidade perdida, pois a falta de cooperação entre as instituições e o foco em interesses de curto prazo, em vez de uma visão de serviço público, faz com que muitas das boas ideias nunca cheguem a ser implementadas.Por outro lado, é sempre gratificante quando os projetos são bem sucedidos. Felizmente, tive a sorte de intervir em projetos onde existiu uma estratégia sólida combinada com uma execução eficiente. Não me envergonho de dizer que apenas cerca de 20% dos meus sonhos se concretizaram, com a convergência de vários fatores, como uma equipa competente e motivada, o apoio de lideranças visionárias e a criação de parcerias estratégicas entre diferentes organismos públicos. Quando há uma cumplicidade verdadeira entre os intervenientes, os resultados podem ser verdadeiramente transformadores.O grande desafio que enfrentei ao longo de todos estes anos foi sempre o mesmo, aproveitar as oportunidades expressas pelos vários governos e enquadrá-las numa visão estratégica que fizesse sentido no contexto do serviço público. Contudo, ao longo do tempo, vi que as dinâmicas dentro da administração pública mudaram muito. Hoje é cada vez mais difícil criar cumplicidades estratégicas entre organismos baseadas em valores genuínos de serviço público, pois a independência, a liberdade e o pensamento crítico são frequentemente trocados por obediências partidárias, assim como interesses e vaidades de curto prazo.Muitas vezes, os meus projetos seguiam três fases: (1) fazer primeiro, (2) pedir autorização para continuar; e (3) ir à procura dos meios. Acreditem que nunca me arrependi e nunca me faltaram os meios, pois para se avançar no mundo digital, para além de sermos inovadores, em várias ocasiões temos de desobedecer ao status quo, para motivar e conquistar adeptos, alcançar o objetivo final e manter o foco na melhoria do serviço público e na qualidade de vida dos cidadãos.O tempo do cidadão e da função pública é distinto do tempo dos políticos, por isso cabe à cidadania e aos agentes do Estado proteger, testemunhar e assegurar causas muito para além do curtoprazismo das legislaturas.Apesar de algumas adversidades, aprendi ao longo de 31 governos que trespassei, que é sempre possível alcançar resultados significativos, desde que se mantenha o rumo estratégico e se tenha a coragem de tomar decisões difíceis, mesmo que às vezes isso implique questionar hierarquias, para seguir ou retomar o caminho certo.Especialista em governação eletrónica