A quem damos o nosso crédito?

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Vivemos tempos paradoxais. Nunca a Humanidade teve tanto acesso à informação, e nunca foi tão difícil discernir o que é verdade do que é manipulação. A credibilidade, esse alicerce que sustenta a confiança nas instituições e na própria sociedade, encontra-se hoje ameaçada por um fluxo incessante de dados que não são, muitas vezes, mais do que ecos de interesses obscuros ou de agendas cuidadosamente disfarçadas de factos.

A palavra “crédito” deriva do latim e significa crença, confiança, empréstimo. Ou seja, é a “crença alimentada pelas qualidades de uma pessoa ou coisa; segurança de que alguém ou algo é capaz ou veraz”, esclarece o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, website que, apesar de “viver” na internet, prima pelo rigor e pela credibilidade, sendo um projeto do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, uma instituição de referência no meio académico e científico. O que me leva a ter a certeza de que o problema não está no ambiente digital, mas sim no que fazemos dele.

A legitimidade da informação sempre esteve ancorada em instituições que, ao longo de séculos, construíram a sua reputação através da responsabilidade e compromisso com a verdade. Comunicação social, universidades de referência, organizações que verificam os factos pautam a sociedade pela fiabilidade do que publicam. No entanto, num mundo onde um título sensacionalista nas redes sociais pode ter mais impacto do que um estudo revisto por pares, a sua autoridade é constantemente desafiada.

A ascensão das redes sociais e a explosão da comunicação digital permitiram uma democratização do acesso à informação, mas também abriram as portas à proliferação de fontes desconhecidas e muitas vezes duvidosas. Hoje, qualquer utilizador pode difundir uma notícia sem qualquer compromisso com a veracidade, bastando-lhe um clique para espalhar teorias da conspiração, desinformação e fake news. Os mecanismos de verificação, que antes garantiam que só o que fosse factual alcançaria a esfera pública, tornaram-se insuficientes perante a velocidade e o volume da desinformação.

O efeito desta crise de credibilidade já se faz sentir, e um dos sintomas mais evidentes é a fragilidade crescente das democracias Ocidentais. Num cenário onde a desconfiança nas instituições aumenta, os populistas encontram terreno fértil para minar os valores democráticos, promovendo narrativas que alimentam o descrédito na imprensa, na ciência e nas organizações que sempre gozaram de idoneidade. A verdade absoluta perde espaço para “a verdade conveniente”, ajustada aos interesses de quem melhor manipula a comunicação.

O problema agrava-se quando o público, cansado de versões contraditórias da realidade, começa a duvidar de tudo e de todos. O ceticismo generalizado transforma-se em cinismo e, num mundo onde tudo é posto em causa, o espaço para o debate racional e informado encolhe. O que resta então da democracia, se os seus cidadãos deixam de confiar nas instituições que a sustentam?

Recuperar a credibilidade da informação não é apenas um desafio ou uma questão de boas práticas comunicacionais. É um desafio civilizacional. Precisamos de fortalecer a literacia mediática, educando as novas gerações para questionar fontes, verificar factos e distinguir opinião de evidência.

Mais do que nunca, as instituições que sempre zelaram pela verdade devem manter uma postura intransigente na defesa do rigor. A preservação da legitimidade das organizações - sejam públicas ou privadas - depende da sua capacidade de garantir exatidão e precisão na informação que divulgam. Mesmo que isso signifique abrandar o ritmo na disseminação de factos. A prioridade deve ser sempre nutrir a confiança e não a velocidade. E é nessas organizações que devemos acreditar e procurar informação.

Quando uma organização abdica da sua responsabilidade pública, perde o direito à sua própria existência. Deixa de ser vista como confiável e adequada ao seu propósito, comprometendo a sua capacidade de influência e ação. É este princípio fundamental que sustenta a sua missão e garante a sua relevância e impacto na sociedade.

Num tempo em que a mentira se veste de verdade e a verdade se banaliza, cabe-nos a todos defender aquilo que dá legitimidade às nossas democracias: o direito a uma informação fiável. Afinal, sem credibilidade, o que nos resta?

Secretária-geral da AHRESP

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