A ponderação de Montenegro está em fuga
No dia 23 de outubro, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, esteve bem na sua primeira reação à morte de Odair Moniz, atingido a tiro por um agente da PSP, no Bairro da Cova da Moura, no mês passado. Esteve bem porque, sem estar na posse de todos os factos do incidente, não se precipitou a retirar conclusões de algo que não se sabia. Ou seja, não embarcou - como os extremistas de ambos os lados - na desculpabilização do atingido (na altura havia a dúvida sobre se estaria armado ou não), nem do polícia que o alvejou.
Na altura, Luís Montenegro disse que era necessário aguardar, ter a paciência e a maturidade de esperar pela conclusão dos procedimentos correctos: o inquérito ao tiroteio. E concluiu com um pensamento simples e óbvio que, na verdade, se impunha naquela altura: um cidadão não pode ser alvejado assim na rua sem que o autor dos disparos, sobretudo por ser polícia, não seja alvo de um intenso escrutínio.
Não resta grande coisa dessa ponderação. O que se viu ontem foi um primeiro-ministro que decidiu usar uma mensagem ao país, às 20.00 horas, transmitida em todas as televisões (habitualmente reservada para momentos de extrema gravidade), para “dar nota do trabalho” do Governo e das polícias na área da Segurança nas últimas semanas.
Falou de operações de desmantelamento de redes criminosas, de detenções e anunciou 20 milhões para material da GNR e da PSP. Objetivo: “tranquilizar a população” e reafirmar “que Portugal é um dos países mais seguros do mundo”, apesar de “não ser um contexto adquirido”. Qualquer “briefing” no Ministério da Administração Interna serviria para isto.
Como o PM o fez numa declaração ao país às 20.00 horas , isso implica, necessariamente, outra leitura.
Bem pode Luís Montenegro dizer que a conferência de imprensa em direto nas televisões às 20.00 horas não foi marcada na sequência de nenhum caso em concreto. Mas é difícil ignorar que o fez no dia em que a Polícia Judiciária deteve alguns suspeitos do ataque contra o motorista da Carris Metropolitana, Tiago Cacais, incendiado vivo na sequência dos tumultos que se seguiram à morte de Odair Moniz.
Ou seja, o primeiro-ministro decidiu convocar a cúpula da segurança em Portugal para estar ao seu lado em São Bento para “cavalgar” uma operação da Judiciária que seria banal se não fosse acerca de um dos casos policiais mais mediáticos dos últimos meses. Foi uma forma de dizer, sem o dizer, que as forças de segurança (e por extensão a ministra que os tutela) estão a trabalhar bem. O facto de achar que precisa de o fazer, já diz muito.
Mais. Alguém deveria recordar a Luís Montenegro que a Polícia Judiciária apanhou suspeitos. Suspeitos de terem atacado o motorista da Carris. E se Tiago Cacais - como disse em primeira-mão ao DN, numa conversa que publicamos nesta quinta feira, 28 de novembro — se sente feliz por a PJ ter apanhado alguns dos suspeitos da agressão, o primeiro-ministro deveria ter a ponderação que teve no dia 23 de outubro e pedir calma, afirmando que os detidos são inocentes até serem condenados em última instância. Nada menos do que isto. Ou melhor ainda, nem deveria ter feito uma conferência de imprensa tão disparatada.