A política de mandar
A expectativa gerada pela chegada do novo governo está a esvair-se lentamente numa discussão estéril sobre aumentos dos salários e pensões. Sindicatos, associações e partidos políticos exigem quatro, o governo oferece um. Tudo o que parecia fácil na campanha eleitoral, agora torna-se penoso e fúnebre. Rangem cadeiras, disparam insultos, metralham ameaças. Não é surpresa, é assim com todos os governos.
E a oposição alinha no mesmo jogo. Depois de anos a recusar a medida, o Partido Socialista tomou a iniciativa de abolir as portagens das SCUT. Nuno Santos não é António Costa, mas o partido que estava no poder há 40 dias pegou numa mão cheia de dinheiro à guarda do governo, e atirou aos portugueses e às suas estimadas máquinas poluidoras.
Os barómetros do marketing político e os filósofos do Instagram sabem que a integridade e a coerência são esquecidas ao fim de três dias, e que os portugueses adoram borlas, sejam promoções no supermercado, croquetes na festa do vizinho ou estradas que já não são precisas.
O nosso debate político centra-se na corrida ao bolo orçamental, em que cada um quer aparecer como o benemérito principal. O povo pede, o governo dá. Neste caso, a oposição também dá. E ninguém explica quem ficou sem esse dinheiro. Nestes dias, e como quase sempre, constrói-se a ideia que governar é distribuir benesses.
Isto é importante porque a ideia que fica, é a educação que se faz. E a educação que se tem, é o país que se faz. Por isso o frenesim pelo bodo aos pobres atravessa toda a sociedade. Mesmo os setores mais liberais da nossa sociedade – como as associações empresariais – vêm a público para pedir oferendas. Os agentes do turismo reclamam a descida da taxa de IVA, ignorando que um dos setores mais pujantes da economia portuguesa já beneficia de várias taxas reduzidas. Para resolver o problema da habitação, claro, o setor imobiliário exige a redução da carga fiscal. Ninguém pede novos modelos habitacionais, novas abordagens arquitetónicas, reutilização de recursos desaproveitados ou novos meios de produção que baixem o custo da construção. O discurso público da maioria do nosso capitalismo é que a competitividade das empresas se faz diminuição dos impostos. Ou seja: a responsabilidade é do Estado.
Só passou um mês, é certo, e ainda podemos ser surpreendidos, mas se havia um plano de transformação, já o teríamos cheirado na campanha eleitoral. O que governo, oposição e sociedade civil fizeram para se criar riqueza de longo prazo? Que é o mesmo que dizer: o que vai melhorar na ciência, tecnologia, inovação e educação apoiados numa visão estratégica sagaz para um mundo em permanente mudança? O que se fez, ou o que vai se fazer, para a criação de mais riqueza de curto prazo: desburocratização, agilização da Justiça, Estado regulador forte, estratégias de ação inteligentes, mas sobretudo desenvolvimento de competências cruciais para a gestão?
Muito pouco. Em Portugal vigora a ideia da governação por decreto. Lembro-me de ouvir Vera Jardim, então ministro da Justiça de António Guterres, dizer que “era o ministro das prisões”, porque era o único departamento onde efetivamente mandava. O então Presidente da República, Jorge Sampaio, nos bastidores de uma entrevista também confidenciou que mandava pouco.
Vivemos na política do mandar. Porque mandar é fácil. É tão simples ficarmos fechados no ar condicionado dos gabinetes e mandar dactilografar lindos diplomas e ufanos decretos que vão mudar a face… dos compêndios jurídicos. Quem manda são os chefes. Os líderes não mandam, motivam as pessoas em torno de um projeto comum. Os chefes excluem, e ao fazê-lo desperdiçam recursos. Os líderes incluem e assim maximizam recursos.
Para que serve um primeiro-ministro que passa o tempo a discutir aumentos salariais? De que serve um diretor-geral ou um CEO que passa o tempo a deliciar-se com as cores do Excel? O mérito de um governo não deveria passar pelo dinheiro que vai distribuir, mas pela forma como vai maximizar o dinheiro que os contribuintes entregaram. Como é que com os mesmos recursos conseguimos obter melhores resultados?
Para transformar é preciso pensamento crítico lúcido, uma visão de desenvolvimento que não seja uma fotocópia de um doutoramento norte-americano, coragem e sentido de responsabilidade para fazer a diferença, e um discurso para mobilizar o melhor das pessoas, porque apesar de vivermos na era da Inteligência Artificial, ainda são os humanos que fazem toda a diferença.
Falta criatividade na nossa política. Criatividade não é arte nem instinto, é a capacidade de pensar diferente para encontrar melhores soluções. Pelos vistos os fatos cinzentos enformam pensamentos cinzentos. Parece que a formação política se fez em circuito fechado a ler manchetes de jornal. No essencial, andam todos a querer fazer o mesmo: mandar no dinheiro.
A este ritmo é fácil prever mais do mesmo para este jardim à beira-mar plantado.