A paz na Ucrânia: uma pergunta à espera de resposta

À medida que nos aproximamos da data que marca um ano de guerra contra a Ucrânia surge mais recorrentemente a pergunta sobre a possibilidade de uma mediação que ponha fim a esta agressão russa, injusta e inexplicável. Durante a semana foi mesmo levantada a hipótese de se ver Benjamin Netanyahu como mediador. Por muito que se queira parar a loucura bélica e incendiária de Putin, poderá parecer impensável solicitar a alguém como Netanyahu que desempenhe aí o papel de bombeiro de serviço. É verdade que a paz tem um preço elevado e que devemos estar prontos para esse investimento. A paz, numa base justa, é uma prioridade absoluta, mas não pode ser obtida a qualquer custo nem dando credibilidade a quem a não tem. Também não creio que Netanyahu possa ser aceite pelas partes. Ele bem gostaria, para tentar fazer esquecer o problema cada vez mais insolúvel que existe entre Israel e a Palestina.

Já agora e ao contrário do que alguns pensam, é importante esclarecer que a "cúpula de ferro" israelita não responde às necessidades de defesa ucranianas. Esse sistema, que é de uma eficácia incontestável em Israel, só permite intercetar foguetes e outros mísseis disparados de distâncias relativamente curtas, num raio máximo de 70 km. Isso não tem nada a ver com a distância que percorrem diariamente as dezenas de mísseis que as forças armadas russas disparam contra a Ucrânia, numa campanha deliberada de amedrontamento das populações. Israel deve, no entanto, ajudar a Ucrânia com munições e sistemas de defesa antiaérea.

Também se poderia levantar uma interrogação semelhante no que diz respeito ao Presidente Erdogan. Desempenhou um papel positivo, em estreita colaboração com as Nações Unidas, quando se tratou do acordo sobre a exportação de cereais e fertilizantes. Poderá ser agora um ator de relevo na procura de um processo de paz? A resposta não é fácil. Nem para a Ucrânia, nem para os europeus. Erdogan tem várias cartas em jogo, em tabuleiros diferentes e contraditórios. Embora se deva reconhecer que a Turquia é um país aliado, no quadro da NATO, não nos podemos esquecer que Erdogan joga acima de tudo a carta da sua ambição pessoal, que assenta no poder absoluto e se inspira numa leitura religiosa que nada tem a ver com os valores europeus do respeito pela liberdade, a tolerância e a diversidade. O povo turco, os vizinhos gregos e o resto dos europeus teriam muito a perder com o fortalecimento do poder e da imagem internacional de Erdogan. Mas se ele fosse capaz de promover uma paz equilibrada e duradoura, valeria a pena apostar nele. Porém, não acredito que tenha qualquer hipótese de sucesso. Vejo-o, isso sim, mais cedo ou mais tarde, marginalizado pelo seu próprio povo.

Entretanto, a 20 de fevereiro, Wang Yi, que foi até ao final de 2022 o ministro dos Negócios Estrangeiros da China e é agora o secretário do Partido Comunista que dá a cara pela política externa, irá a Moscovo, para negociações. Há quem veja nessa deslocação uma tentativa chinesa de discussão de um itinerário de saída da crise. A visita dá seguimento à deslocação que Dmitri Medvedev fez a Beijing a 21 de dezembro. Não creio, no entanto, que possa resultar numa abertura para a paz. A política chinesa, no que respeita a este conflito, está sobretudo preocupada com a decisão japonesa de reforçar as suas forças armadas e a aproximação desse país à NATO. Jens Stoltenberg esteve esta semana em Tóquio e isso foi seguido com grande atenção em Beijing. Poderá, mesmo, ter levado à decisão de reforçar a colaboração política entre a China e a Rússia. Wang dir-nos-á... Não há muita esperança de ver a China traduzir por passos positivos e concretos aquilo que apregoa quando fala da defesa da ordem multilateral.

A conclusão é que estamos longe do início de um processo de paz. Antes pelo contrário, infelizmente. Putin acredita numa vitória militar e aposta no fator tempo: precisa de tempo para estar em vantagem. Ora, é exatamente isso que não lhe podemos oferecer. Se não há paz, se ninguém consegue mediar, tem de haver ação, movimento e rapidez, e a conjugação de todos os meios possíveis, incluindo o fomento de divisões e confusão no centro do poder russo.


Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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