A pandemia em Maio de 2022: onde estamos e para onde vamos?
"Quando não sabemos para onde ir, nenhum vento é favorável"
- Lucius Annaeus Seneca, 54 a.C. - 39 d.C.
A 11 de Março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o estado de pandemia devido a uma nova estirpe de coronavírus, o SARS-CoV-2, identificada em Wuhan, na China.
Esta estirpe ancestral de Wuhan foi sendo substituída por várias variantes de preocupação, sendo que em Portugal, todos nos recordamos, seguramente, de algumas. A variante Alfa, responsável pela terceira onda pandémica, a mais perigosa variante Delta, cujos efeitos foram minimizados pela vacinação e, mais recentemente, a Ómicron com as consecutivas linhagens, das quais a BA.5 deverá ser a predominante em breve, para de seguida ser substituída por outras menos conhecidas ou ainda desconhecidas.
Se as pandemias anteriores resultaram da circulação do vírus da gripe, esta primeira pandemia devida a um coronavírus ficou, também, marcada como a primeira pandemia das técnicas de biologia molecular (exemplo, a PCR) e das vacinas de RNA mensageiro. Duas metodologias com uma influência determinante no futuro próximo da saúde.
Coube às vacinas desenvolvidas para a estirpe inicial de Wuhan, administradas pela primeira vez no Reino Unido, a 8 de Dezembro de 2020, e no nosso país a 27 de Dezembro de 2020, mudar o curso pandémico. Assistimos, então, à maior campanha de vacinação à escala global, com mais de 11,5 mil milhões de vacinas ministradas em quase 18 meses. Uma história de sucesso, bem patente nas estimativas da OMS e do ECDC (European Centre for Disease Prevention and Control) que, de Dezembro de 2020 a Novembro de 2021, a vacinação preveniu a morte de quase meio milhão de pessoas com 60 ou mais anos, só na região europeia. Um momento marcante e ímpar na história da Humanidade, que necessariamente será lembrado no futuro.
CitaçãocitacaoPortugal não pode continuar a ser dos escassos países europeus que não disponibiliza as novas intervenções terapêuticas à sua população e, em particular, aos doentes com maior risco de evolução para gravidade ou incapazes de montar uma resposta eficaz à vacinação e que se mantém "prisioneiros da pandemia".esquerda
Não podemos, todavia, esquecer o impacto devastador na saúde, a nível individual e colectivo, com muitos milhões de vidas perdidas, bem como nas consequências sociais e económicas. Na memória de muitos persistirão as recordações dos confinamentos, das máscaras faciais e outras medidas de intervenção não-farmacológica, tais como a higiene das mãos, a etiqueta respiratória e o distanciamento social, e, sobretudo, a compreensão dos perigos da desinformação e da politização do conhecimento. Duas ameaças igualmente determinantes no futuro da Humanidade.
Apesar do feito científico, tendo as vacinas sido concebidas há quase dois anos para uma estirpe ancestral que já não existe e foi substituída, é cientificamente explicável que, por cada nova variante ou linhagem, a eficácia da vacina, sobretudo na prevenção do contágio, vá diminuindo a par da menor duração do seu efeito. O mesmo acontece com todas as vacinas e com a imunidade desencadeada pela infeção natural por outras variantes.
É este fenómeno habitual que explica a actual situação, caracterizada pela ocorrência ou ressurgimento de milhares de novos casos após infeções prévias ou reforços vacinais (booster), sobretudo em populações vulneráveis e há mais de 4 meses. Felizmente, este aumento de incidência não se acompanha da correspondente proporcionalidade em gravidade, avaliada em números de internamentos e óbitos, mantendo, contudo, números absolutos preocupantes. É, assim, legítimo que perguntemos onde estamos e para onde vamos (do latim, ubi sumus et quo vadis), numa fase de transição entre o fim expectável da pandemia e a evolução para uma nova normalidade de epidemias sazonais, à semelhança do que já acontece com a gripe.
Ora, nesta fase de transição identificamos três áreas de intervenção: i) controlo da incidência; ii) minimização da gravidade e iii) normalização social e económica.
O controlo da incidência exige intervenções para atenuação da circulação e da transmissão viral. Na diminuição da circulação do SARS-CoV-2 é fundamental assegurar a capacidade de resposta da Linha SNS24 e da realização de testes de diagnóstico, sem constrangimentos, de modo a permitir a identificação precoce de todos os novos casos e adoptar as medidas necessárias para eliminar as fontes de perpetuação do vírus na comunidade. O teletrabalho sempre que possível, o arejamento e a ventilação dos espaços e a opção pelos locais ao ar livre, com maior exposição solar, contribuem para diminuir a circulação viral.
Na minimização da transmissão do vírus, além das medidas de intervenção na circulação, salienta-se a utilização das medidas de intervenção não-farmacológica (exemplo, a máscara facial) nos casos positivos e nos sintomáticos (mesmo com teste negativo) e o acesso precoce às novas terapêuticas com antivirais (exemplo, nirmatrelvir/ritonavir e molnupiravir) ou anticorpos monoclonais neutralizantes.
O segundo reforço vacinal, sobretudo se decorridos 4 a 6 meses após o primeiro reforço, dos profissionais de saúde e dos grupos profissionais com maior exposição social (exemplo, professores, motoristas, empregados de balcão, restauração, hotelaria), além de aumentar a proteção individual, também reduz o risco de transmissão - sobretudo aos mais vulneráveis.
Os grupos mais vulneráveis, em particular, os transplantados, os doentes com neoplasias activas sob tratamento e os submetidos a terapêuticas imunossupressoras, apresentam uma incapacidade, total ou parcial, de montar uma resposta imunológica protectora após a vacinação. É neste grupo que se estima que resida a maioria dos actuais internamentos hospitalares e óbitos.
Estes grupos devem manter as medidas de intervenção não-farmacológica em situações de risco (exemplo, aglomerados, locais públicos fechados), ser candidatos ao segundo reforço vacinal, independentemente da idade, e ter prioridade no acesso às novas terapêuticas.
Portugal não pode continuar a ser dos escassos países europeus que não disponibiliza as novas intervenções terapêuticas à sua população e, em particular, aos doentes com maior risco de evolução para gravidade ou incapazes de montar uma resposta eficaz à vacinação e que se mantém "prisioneiros da pandemia".
O tão desejado retorno à normalidade social e económica depende da existência de mecanismos robustos e em tempo real de vigilância epidemiológica, virológica e clínica, que permitam ajustar as medidas de controlo da incidência e de minimização da gravidade. Progressivamente, a duração dos períodos de isolamento, por exemplo em indivíduos assintomáticos ou sem gravidade, deverá ser baseada em critérios clínicos, complementados pelo cumprimento rigoroso de medidas de intervenção não-farmacológica e de redução do risco de transmissão social, sem o impacto do absentismo laboral.
Não há pandemia que não acabe, esperando-se que o fim desta esteja para breve. É possível e previsível o regresso à normalidade no próximo Outono-Inverno, com mais um vírus em circulação para o qual existem novas vacinas, com uma composição actualizada para as futuras variantes e, necessariamente, com maior eficácia e duração da protecção.
Nos Estados Unidos da América, esta possibilidade não está a ser deixada à sorte, mas reside na preparação, estando prevista já para Junho a primeira reunião de peritos para decidir a composição das próximas vacinas contra o SARS-CoV-2.
É que, dependendo o regresso à normalidade do acesso às novas vacinas, aos testes de diagnóstico e aos novos fármacos, entre eles, os antivirais e os anticorpos monoclonais, há que actuar com absoluta noção de que a sorte assenta na preparação ou, como diria Confúcio, "o sucesso depende de preparação prévia".
Nota: Os autores não escrevem de acordo com o novo acordo ortográfico.
Filipe Froes é pneumologista, consultor da DGS, ex-Coordenador do Gabinete de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos e membro do Conselho Nacional de Saúde Pública
Patricia Akester é fundadora de GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria e Associate de CIPIL, University of Cambridge