A Operação do Século
A artrose da anca é, muitas vezes, encarada como uma doença das pessoas mais velhas. Na verdade, são cada vez mais afetadas pessoas em idades jovens, o que a torna num problema de elevada importância clínica e com impacto significativo na qualidade de vida da população.
Com o aumento do nível de atividade desportiva das pessoas, é importante alertar para os sintomas sugestivos de agressão da cartilagem da anca e para a importância de consultar, desde logo, o médico. A sua identificação e a avaliação clínica atempada permitem a aplicação de medidas de prevenção, para evitar a artrose.
A “coxartrose”, ou artrose da anca, é uma condição que corresponde à perda progressiva da cartilagem que reveste a cabeça do fémur e a cavidade da bacia onde ela se articula - chamada cavidade acetabular. Com a perda de cartilagem, surgem queixas de dor, frequentemente na zona da virilha, que pode irradiar até ao joelho. Isto leva, muitas vezes, os doentes a pensarem que o problema está localizado na articulação do joelho e, frequentemente, dirigem-se primeiro a consultas de joelho, ou mesmo de coluna, antes de chegarem à Consulta da Anca.
Uma das queixas que, mais frequentemente, leva os doentes a suspeitarem de problemas da anca é a dor na chamada região lombo-sagrada que, na verdade, resulta habitualmente de patologia da coluna lombar. A patologia da anca e da coluna, apesar de independentes, muitas vezes, estão associadas. Isto explica-se porque uma das grandes mudanças na evolução dos primatas foi a capacidade de ficar em pé, que obriga a uma ação dinâmica constante entre a anca e a coluna. Assim, um doente com problemas crónicos de coluna, se desenvolver uma artrose da anca, perde a capacidade de cooperação entre estes dois segmentos, provocando crises de lombalgia, ou dor lombar, que podem fazer com que a artrose da anca passe despercebida.
Os problemas mecânicos da anca, caracterizados por deformidades na sua morfologia, são a causa mais comum de coxartrose. O conflito femoro-acetabular é um dos mais comuns
A displasia é outro dos problemas mecânicos que pode ser causa de artrose da anca. Enquanto o conflito femoro-acetabular se desenvolve, habitualmente, na juventude, a displasia surge ainda no útero materno e pode dar sintomas em fases muito precoces da vida.
As doenças reumáticas também podem estar na origem de coxartrose. Neste caso, a perda de cartilagem não se deve a uma anomalia morfológica, mas sim a um processo inflamatório crónico. Este pode ter causas autoimunes ou metabólicas, como, por exemplo, o depósito de cristais de ácido úrico, nas pessoas que sofrem de gota.
O diagnóstico de artrose da anca, principalmente numa idade mais jovem, é muitas vezes associado ao fim da liberdade para uma vida ativa e com qualidade. Esse preconceito é absolutamente errado. A prótese total da anca foi apelidada como “a cirurgia do século”, num artigo publicado na revista Lancet, uma das mais conceituadas na área da Medicina. Esta distinção deve-se ao facto de ter taxas de sucesso elevadas, mesmo em doentes jovens. Permite não apenas recuperar a qualidade de vida, como também a capacidade para a atividade desportiva. Trata-se, por isso, de uma cirurgia verdadeiramente transformadora da vida dos doentes que se veem subitamente presos num quadro de dor e de perda de mobilidade incapacitantes.
O maior desafio deste procedimento passa pela necessidade de respeitar as características anatómicas de cada doente, ao posicionar a prótese da anca, de modo a garantir resultados duradouros e maximizar a qualidade de vida do doente. O futuro pode passar pela combinação da experiência do cirurgião dedicado à área da anca e bacia com as potencialidades da robótica.