A normalização da estupidez

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Zelensky levou dois neonazis do Azov ao parlamento grego. Agora, à nossa Assembleia da República, trará quem? Malta do Svoboda e uma fotografia bem emoldurada do Stepan Bandera? Quem os aplaudirá? Mário Machado ou militantes do Ergue-te? Talvez fosse esse o momento em que, finalmente, emocionados, André Ventura e António Costa dessem as mãozinhas.

A tourné de Zelensky pelos diversos parlamentos já tinha o seu quê de insuportável, entre discursos desrespeitosos para os povos aí representados até à exigência incendiária de apoios até ao limite. Até ao nuclear. Mas chegado a Atenas, ao tal berço da nossa civilização ocidental, raiz do nosso modo de vida, simbolicamente e sem rebuço, o ex-comediante optou por se fazer acompanhar por orientalistas fascistas, vendidos em mais um singular momento propagandístico como grandes heróis. Na verdade, trata-se a sua guarda pretoriana, da sua polícia. Atenção.

Os deputados ficaram estupefactos e o governo grego já veio condenar a atitude. Certo é que a normalização do nazismo é tão banal para Zelensky que nem ele nem a sua incansável equipa publicitária se lembraram que a inclusão de tais elementos borrava completamente a pintura. Ou isso, ou já com o ocidente dobrado perante a narrativa binária, deixou de ser tão necessário disfarçar ou esconder. Certo é que foi tudo à vontadinha, sem sombra de pejo.

Agora, a maioria europeia e estado-unidense que oculta ou desvaloriza a integração e metastização de uma cultura fascista e respectivos membros em todos os níveis do Estado ucraniano, que dirá? Como sustentará mais esta funda contradição ou como sanará a brutal dissonância cognitiva? E por favor não relativizem e digam que por cá também temos extremistas de direita ... nem esses estão oficializados nas estruturas estatais, nem são condecorados pelo governo, nem são exibidos publicamente e na suposta casa da democracia como trunfos políticos.

Claro que a Ucrânia foi invadida, não há dúvidas que Putin a invadiu, a guerra é o falhanço da humanidade. Já a dicotomia bom-democrático-invadido/ mau-autoritário-invasor é uma paupérrima grelha de leitura - não dá para sequer entender a origem do conflito, quanto mais para esboçar as respectivas portas de saída ou soluções.

Mais: ou as forças progressistas repudiam com vigor estas perversas coligações ou o dia seguinte a esta guerra não será apenas excruciante para russos e ucranianos. Ou cresce uma outra exigência perante o jornalismo e o tipo de informação ou o rescaldo será igualmente trágico. Não estará "apenas" em causa o empobrecimento galopante e generalizado em curso, como ainda uma mutação dos regimes políticos ocidentais. Com que desfecho?

Na escolha apressada e, sobretudo, maniqueísta, de um lado desta guerra, demasiados esqueceram que há também que defender os interesses de Portugal e dos portugueses. E que esses interesses, muitas vezes, são divergentes dos interesses ucranianos, americanos ou russos. O mesmo é válido para os espanhóis ou para os romenos. Sem uma outra consciência crítica e sem livres pensadores, os povos europeus serão sangrados até à última gota. A guerra é a continuação da política por outros meios. Mas a política também é a continuação da guerra. E até o seu início.


Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia

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