A mudança do eixo
Já aqui tive oportunidade de dizer: ao longo dos séculos, os eixos de poder no mundo foram mudando da Ásia para a Europa, dividiu-se entre a Europa e a América do Norte, e agora vemos vários eixos, destacando-se o de entre América do Norte e Ásia.
É óbvio que a Europa, depois de se ter colocado durante quase um século sob a asa protectora militar dos Estados Unidos da América, perdeu a noção de que a sua importância cultural já não é suficiente para a sua relevância mundial. Outros continentes também têm a sua cultura, a sua filosofia, as suas prácticas religiosas. E não é com livros que nos defendemos da força das balas.
A Europa, que durante séculos se preparou para guerras em potencial e de facto, que soube transformar a tecnologia de outras partes do mundo com quem contactava para o seu benefício de defesa territorial (como no caso da pólvora), perdeu essa consciência útil, herdada dos romanos, Si vis pacem, para bellum. E a presença do Secretário-Geral da NATO em Portugal veio alertar-nos para isso.
Enquanto o país se distrai com o burlesco de malas desviadas, promessas de pancada no Parlamento, ou (mais umas) incoerências do BE ou do PS, a realidade e a necessidade de recordar compromissos internacionais batem-nos à porta, exigindo que cumpramos os 2% do PIB em gastos na Defesa.
O primeiro-ministro afirmou que há um entrave nesse compromisso: o equilíbrio financeiro. Parece que temos dois países a viver esquizofrenicamente e de forma concomitante: os miúdos divertem-se com a Revista à Portuguesa das peripécias de alguns deputados, enquanto os adultos da sala levam as mãos à cabeça, a ver como pagam as contas.
Não há forma de investir, seja na Defesa, seja onde for, se não houver produção de riqueza. Qualquer pessoa, mesmo discalcúlica, compreende isso. E é preciso vir a NATO, pressionada pelo discurso de Trump, lembrar-nos que a defesa das nossas fronteiras, seja por um ataque iminente, seja por outra forma mais velada, é uma realidade, porque nós ainda estamos a discutir se é a Inteligência Artificial a entreter polícias em aeroportos.
Entretanto, a chefe da diplomacia europeia admite que não souberam lidar com as pressões no Báltico, a Suécia apreende um navio suspeito de sabotar cabos submarinos, e Rutte avisa Portugal que a nossa costa é um alvo apetecível aos russos, como se isso não tivesse sido um tópico há poucos meses, já esquecido.
Tínhamos obrigação histórica de saber isso: a nossa posição geográfica foi preponderante para os Descobrimentos, mas pode ser também o nosso calcanhar de Aquiles se não a soubermos defender. Gouveia e Melo alertava o ano passado para navios russos de espionagem nas nossas águas, mas só sabíamos olhar para ele como possível candidato a Presidente. Prioridades?
Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico