A ministra e o direito à greve na polícia

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Foi à margem do 1º Congresso da ASPP/PSP, que teve lugar nos dias 2 e 3 de novembro, na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, que tudo isto ocorreu. A Sra. Ministra de Administração Interna, presente no 2.º dia do acontecimento, precisamente quando se discutiu o tema “Constituição da República Portuguesa e o direito à greve”, face às conclusões tiradas no Congresso, anunciou que a ‘questão da greve’ na polícia seria um dos assuntos a abordar nas negociações marcadas para o dia 6 de janeiro do próximo ano.

Esta postura ministerial decorreu face a uma das conclusões do Congresso nos termos da qual “……. sabido que à luz da Constituição um direito só pode ser restringido, mas nunca proibido, resultante da trindade imposta no artigo 18º da CRP, o (seu) artigo 270º, na parte onde acolhe o enunciado da lei sindical da PSP (artigo 3º. d) da lei nº 14/2002 de 19.02.), alusiva à greve do pessoal da PSP, só pode ser entendido como uma restrição ao direito à greve, mas não como uma proibição deste direito”. Esta conclusão foi tirada após as intervenções do dirigente sindical da polícia holandesa – Equipe; do constitucionalista Prof. Dr. Jorge Bacelar Gouveia, Presidente do OSCOT e professor catedrático de Direito e Segurança e do Dr. Jorge Machado, jurista e ex-deputado.

Suscitada assim a problemática do direito à greve a ser reconhecido ao agente de polícia português, a afirmação da Sra. Ministra Margarida Blasco em como o assunto seria debatido na próxima negociação sindical acima mencionada, era o mínimo que podia dizer, até para a credibilidade do próprio Ministério que dirige.

Por estranho que pareça, horas após a declaração ministerial, o MAI veio, em comunicado, assinalar que, das negociações previstas para janeiro do próximo ano, não fazia parte a discussão sobre o tema da greve na polícia.

O conteúdo do comunicado só poderia ter sentido se entendermos a problemática da restrição do direito à greve na polícia como um assunto que transcende o próprio Governo, inserindo-se antes no quadro da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, prevista na al. o) do artigo 164º da Constituição, ou seja, não estaria em causa o reconhecimento de um direito, mas, quando muito o da sua restrição.

Se a Assembleia da República não pode proibir um direito, menos ainda o pode o Governo. De qualquer forma, a reação do comunicado do Governo, dando como assente a proibição de um direito, nos moldes em que o faz, não só tange a usurpação de uma função que constitucionalmente não detém, como acaba por desautorizar um membro do Governo, cujo gesto poderia conduzir a um aliviar a carga de uma postura governamental abusiva, proibindo um direito que não pode nem “deve” prosseguir, por usurpar ser o exercício de uma função que constitucionalmente lhe está vedada.

Por fim, importa relevar que a Sra. Ministra da Administração Interna com a sua tomada de posição pode ter procurado encontrar uma saída por parte do Governo, no sentido de ser elaborada uma Proposta de Lei a ser submetida à Assembleia da República, a fim de encontrar uma solução adequada em sede do direito ao exercício de greve por parte das Forças de segurança.

 António Bernardo Colaço - (Juiz Conselheiro Jubilado do STJ)

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