A metamorfose do futebol português
Esta semana, com a tomada de posse de André Villas-Boas como presidente do Futebol Clube do Porto, concluiu-se a mais recente e, creio, mais importante metamorfose natural do futebol português ao nível dos maiores clubes. Um desfecho que decorreu da vontade dos sócios, pelo que é de legitimidade à prova de bala. Nesta passagem de testemunho entre gerações de dirigentes, que antes aconteceu também no Benfica, no Sporting e no Braga (neste caso, há mais anos), importa não esquecer, nem desmerecer, o papel e as conquistas dos anteriores líderes, que governaram as suas agremiações de acordo com os padrões comuns à sua época.
Tal como os autarcas mais veteranos do tempo em que não havia limitações de mandatos, os dinossáurios dos nossos maiores clubes protagonizaram saltos de gigante, montaram máquinas de produção de talento e alcançaram sucessos internacionais. É bom recordar que a excelência da nossa seleção e o sucesso dos nossos treinadores nasceram nos clubes cá da terra, onde é impossível deixar de destacar Sporting, Benfica, Porto e Braga, na primeira linha, mas também todos os outros que compõem o ecossistema das ligas profissionais.
Perante esta constatação, porque razão era então necessária a metamorfose que colocou nas presidências homens como Frederico Varandas, Rui Costa, André Villas-Boas e António Salvador? A resposta é quase trivial: porque o futebol europeu mudou, ao nível do escrutínio e dos desafios.
As competências que hoje reclama a presidência de um clube, ao nível da estrutura, competitividade e sustentabilidade, nada têm a ver com o passado, mesmo recente. Na minha leitura, esta nova geração de presidentes tem a consciência, a vontade e a capacidade de promover uma mutação que coloque o nosso futebol no paradigma do século XXI. Mutação que vai acontecendo também na Liga Portugal, com Pedro Proença a resgatar a entidade organizadora dos campeonatos profissionais, introduzindo gestão onde antes havia desorganização, transparência onde antes havia opacidade, e credibilidade onde antes havia desconfiança.
Os desafios para o nosso futebol são variados, mas também aliciantes. A centralização da comercialização dos direitos audiovisuais é uma prioridade, uma espécie de cirurgia que, ajudando à salvação, não deve comprometer os órgãos vitais das ligas profissionais.
Por sua vez, a UEFA tem aprimorado as regras de fair-play financeiro, procurando formas de torná-las mais eficazes e justas. Isso inclui limitar os gastos com salários e transferências em relação às receitas, para prevenir que os clubes entrem em dificuldades financeiras e garantir um campo de jogo mais nivelado.
Descurar as regras da sustentabilidade pode também colocar em risco o desempenho das nossas equipas nas competições continentais. Com o afastamento, para já, da ideia peregrina da superliga europeia, a UEFA optou por reformular as suas competições. Neste novo cenário, poderá haver mais dinheiro para os grandes e os pequenos clubes, mas só lá chegará quem se preparar e se adaptar.
Depois, há toda uma agenda nacional que interessa aos clubes e à Liga. Convenhamos que existe ainda uma imparidade entre o nível de performance do nosso futebol e a atenção e apoio que lhe são prestadas pelo poder político e pela governação. Este reconhecimento poderá ser o elo que falta para potenciar a metamorfose do futebol português, projetando-o no seu papel natural, que é o de morder os calcanhares do grupo das big five das ligas europeias.