A mentira, o embuste e o choque fiscal

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É mais uma polémica nesta governação ou nem tanto. A oposição quer mais é fazer passar como polémica a descida do IRS - a maior questão, agora, é saber se este é ou não o tal choque fiscal tão apregoado. Mas comecemos pelo início, pelo programa eleitoral da Aliança Democrática (AD) no que diz respeito a esta questão: “Redução do IRS até ao 8.º escalão, através da redução de taxas marginais entre 0,5 e até 3 pontos percentuais face a 2023, com maior enfoque na classe média.” A leitura é que, para o PSD, Fernando Medina, anterior ministro das Finanças, podia ter sido mais ambicioso e não o foi. Ou seja, a nova redução que agora vai ser aprovada corresponde apenas a cerca de 200 milhões de euros, somando aos cerca de 1300 milhões de euros de redução do IRS inscritos no Orçamento do Estado para 2024 (OE2024), já em vigor. Mérito de Fernando Medina, com uma ‘correção’ de Miranda Sarmento.

“Não há nenhuma mentira, mas há propaganda e ilusão, quando o programa anuncia expressamente a redução das taxas marginais entre 0,5 e 3 pontos percentuais até ao 8º escalão ‘face a 2023’ e não em relação a 2024”, considera, em entrevista ao DN (que pode ler nesta edição), Rogério Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo de António Guterres.

Esta é uma leitura possível. Acontece que o Governo da AD, que se diz “rigoroso e leal” ao programa eleitoral, está agora debaixo de acusações de “embuste”, “retoque” e “má-fé”.

Sobre o OE2024, o então líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento acusou, em outubro do ano passado, o Governo de António Costa de dar, com uma mão, “poucochinho” no IRS aos portugueses e, com a outra, tirar “muito mais” em impostos indiretos. “Copiou a proposta do PSD, mas copiou mal”, apontou. Mas por esta altura, os portugueses já terão feito as contas às suas finanças pessoais para saber se a redução fiscal de Fernando Medina, acompanhada por uma subida dos impostos indiretos, foi ou não suficiente. E na semana que vem saberão, através das simulações possíveis, se esta ‘correção’ de Miranda Sarmento acrescenta ou não alguma coisa significativa ao rendimento disponível ainda este ano.

Mas avancemos para a expressão “choque fiscal”, que isso sim pode determinar, no futuro, o que é ou não “propaganda”, “diálogo”, ou “bloqueio”. Afastando-se agora de um Orçamento Retificativo, primeiro ponto, uma ambição maior fiscal do primeiro-ministro Luís Montenegro - a acontecer - pode esbarrar no possível chumbo do OE2025. Aí, o líder do PSD sempre dirá que não o deixaram fazer mais.

Esse é um lado, mas depois há a segunda perspetiva (claramente insuficiente), que é a de que - perpetuando a política de “contas certas” do anterior Governo -, Miranda Sarmento se fique por esta redução no IRS, pela mudança que se prepara para fazer nas regras do IRS para os jovens até aos 35 anos de idade, beneficiando apenas os salários mais altos, e a isenção de impostos e de contribuições nos prémios de desempenho até ao valor de um salário.

Ficaria a faltar a redução de IRC e políticas fiscais efetivas que permitam às famílias ter maior rendimento, à compra de habitação pela classe média e que travassem a emigração de jovens, se bem que não será apenas com vinagre que se mitiga este flagelo das novas gerações.

Será que Joaquim Miranda Sarmento quis apenas mostrar a Fernando Medica como devia ter feito no OE2024 ou vai superar polémicas e operar um verdadeiro choque fiscal?

Diretor interino do Diário de Notícias

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