À medicina o que é da medicina... 

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Não há dúvida que Luís Montenegro está a sentir-se cada vez mais à vontade na pele de primeiro-ministro. As pequenas e grandes vitórias que tem conseguido - a aprovação do Orçamento terá sido a maior delas todas até ao momento - tem empurrado o líder do PSD e do Executivo para posições um pouco mais ousadas, para frases de maior efeito, para voos cada vez mais perto do sol. Foi assim no congresso laranja, quando anunciou mais videovigilância e polícia na rua e a libertação da disciplina de cidadania das “amarras ideológicas”. E já tinha sido assim nos recados aos jornalistas sobre independência (num retrato desajustado da classe que até meteu auriculares).

Ontem, Luís Montenegro decidiu defender a atuação do INEM, o serviço de emergência médica, acusado por estes dias de atendimento lento (ou telefónico ou na resposta posterior dos meios). Estamos a falar de doentes, tal como noticiou a imprensa, que acabaram por morrer na sequência destes atrasos. 

“Em primeiro lugar, deixe-me dizer-lhe que nós não temos a certeza que os óbitos ocorreram em função da falta de capacidade de resposta do INEM ou do atraso no atendimento de chamadas, [mas] a verdade é que, neste momento, há uma situação que é uma situação grave de necessidade de reforço da capacidade de resposta do INEM”, disse o primeiro-ministro.

Um dos casos que se conhece é de um idoso de Bragança, em paragem cardíaca, que esperou uma hora por uma ambulância do INEM. Luís Montenegro e o resto dos cidadãos que não são médicos podem não ter a certeza sobre se foi o atraso no atendimento que causou a morte, mas os investigadores suecos do Instituto Karolinska não têm dúvidas de que o fator tempo é essencial: no caso de ataques cardíacos fora do hospital “por cada minuto que passa, as hipóteses de sobrevivência decrescem em 10 por cento”. Isso significa que após dez minutos [sem receber qualquer tipo de reanimação] “as possibilidades de sobrevivência são muito pequenas”.
É precisamente por isso que os serviços de emergência médica por esta Europa fora ajustam os seus tempos de resposta. Na Alemanha, é de 5 minutos em casos de atendimento imediato e 10 minutos para outras situações que envolvam risco de vida. Na Noruega é de 12 minutos em meio urbano e 25 em meio rural. Na Irlanda, são 8 minutos para casos de ataque cardíaco ou emergência respiratória. No Reino Unido, 8 minutos em caso de ataque cardíaco ou suspeita disso. Tal como em Espanha, onde as ambulâncias têm de chegar em 8 minutos.

A segunda parte da frase de Luís Montenegro é uma evidência, o INEM tem de ser reforçado com os meios necessários para cumprir a sua missão. Quanto à primeira, deveria ter sido evitada, caso o chefe de Governo estivesse um pouco menos confortável na sua nova pele e tivesse tido o bom senso de separar as águas: à medicina o que é da medicina e à política o que é da política.

Diretor-Adjunto do Diário de Notícias

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