A masculinidade que mata
Na madrugada de sábado, o Manu morreu esfaqueado à porta de um bar em Braga. As investigações policiais ainda decorrem para apurar as circunstâncias exatas deste crime, mas pelo que se conhece das primeiras versões de testemunhas contadas às autoridades e a circular em canais de redes sociais o Manu terá sido morto por ter denunciado um grupo que tentava drogar as bebidas de raparigas para depois as violarem.
O Manu tinha 19 anos e é a mais recente vítima de uma realidade expressa no último Relatório Anual de Segurança Interna: o aumento da criminalidade violenta e grupal entre jovens, com recurso crescente a armas brancas. Morreu, alegadamente, ao tentar evitar o aumento de uma outra estatística negra do RASI, a das violações, que atingiram no ano passado o valor mais elevado da última década (543). Mas a sua morte é, também, a triste consequência de outro fenómeno sem enquadramento estatístico em qualquer RASI: uma manosfera tóxica que alastra pelos vários pisos do nosso edifício social, desde a cave de subúrbio até à penthouse da política mundial, num exército de “pílulas vermelhas” com consequências devastadoras.
Nos últimos anos, o culto do homem alfa ganhou tração como um modelo de masculinidade supostamente bem sucedida propagandeado entre as novas gerações, cultivando a imagem de homens “fortes”, “viris”, “autoconfiantes”, “implacáveis”, “competitivos”. O homem que “lidera”, “manda”, “conquista”. E, sobretudo, não demonstra fraqueza ou emoções. Por norma, a violência, misoginia e a menorização das mulheres integram este pacote básico de masculinidade que, a circular em loop nas redes sociais, espalha-se como uma pretensa referência cultural de sucesso capaz de atrair mais e mais seguidores.
Como resultado, temos cada vez mais homens emocionalmente fragilizados, inseguros, desligados de si mesmos e dos outros, incapazes de pedir ajuda, ouvir críticas ou construir relações baseadas em respeito mútuo. “Homens” sem o sentido de comunidade, de solidariedade ou de bem comum, sem a mínima noção de empatia. No fundo, homens cada vez mais distantes da origem etimológica da palavra.
Os tristes exemplos sucedem-se, “normalizados” em diferentes patamares, seja por presidentes de associações de estudantes universitários (geralmente os futuros políticos da nação) que apadrinham e promovem grupos de fotografias tiradas à socapa por baixo das saias das suas colegas raparigas, ou até por empresas que comercializam videojogos a incentivar à violação e violência sobre as mulheres.
No sábado, aparentemente, o Manu tentou contrariar algumas dessas bestas (não interessa se eram portugueses, brasileiros, ciganos, judeus ou suevos, como logo vieram debater os do costume, tantas vezes cúmplices desta cultura). Pagou isso com a vida. É a última vítima deste falhanço social em curso.