A mágoa de “o que poderia ter sido”
Hoje quero guiar-vos pelos bastidores dos segundos de glória e das fotografias a lançar a bandeira nacional. Quero partilhar convosco a conversa que tive com Naide Gomes, atleta de alta competição, com uma carreira notável no salto em comprimento, do pentatlo e heptatlo, Campeã Europeia e Mundial, vencedora de 11 medalhas.
Em 2015 pôs um ponto final na carreira, mas não no amor ao desporto. E quando é preciso pôr um fim a um amor que não se esgotou, vem a dor e a angústia: “Foram as lesões graves que me tiraram o sonho, e lidar com isso é muito difícil. Uma coisa é não teres capacidade, outra coisa é saberes que tens capacidade, trabalhaste para isso e na ‘Hora H’ não consegues”, explica.
A frustração do que “poderia ter sido” pode causar danos surpreendentemente persistentes. No caso de Naide Gomes duraram anos, uma prova de que nem todas as decisões são tranquilas: “Nos anos seguintes a ter posto fim à carreira, sempre que eu via uma prova de salto em comprimento, eu chorava.Tive de deixar de ver porque magoava-me muito. Desliguei-me para me proteger.”
A paz é uma conquista recente: “Agora falo bem desta minha fase e hoje em dia já consigo lidar com isso, mas só há 3 ou 4 anos é que aceitei em pleno. Só este ano é que vi tudo dos Jogos Olímpicos”, conta-me.
Para mim, uma das coisas mais fascinantes nisto da alta competição é o facto de os atletas se dedicarem anos e anos incessantemente e depois a validação da sua performance se resumir a escassos segundos ou minutos. É uma entrega quase com base na fé, em que a matemática e as probabilidades não garantem certezas.
“Acho que se soubéssemos o resultado que íamos ter não tinha piada”, ri-se. Mas assume: “Obviamente que quando não conseguimos alcançar algo para o qual trabalhámos meses e anos, por um centímetro, ou por um nulo, ficamos de rastos. Só queremos chorar, desaparecer, não queremos ouvir ninguém. Pões em questão: será que eu podia ter feito diferente? Será que eu sou boa? Será que dei tudo?”
As dúvidas consomem, e tocam também a quem é considerado um orgulho nacional: “O maior peso, para mim, era o país, porque sabia que as pessoas iam ficar felizes. Mas acho que as pessoas não têm noção do que é preciso para estar sequer presente nos Jogos Olímpicos (JO), quanto mais ganhar uma medalha. Acordar cedo, treinar, fisioterapia, voltar ao treino, fisioterapia. Só víamos aquilo. Não havia tempo para passear, discotecas, estar com a família, nada.”
Na mágoa de Naide está o facto de ter falhado os Jogos Olímpicos de Pequim quando era a principal candidata ao título, e já não voltou a ter oportunidade em mais nenhuma edição.
Esta história de amor durou 12 anos de dedicação completa. Mas como em todas histórias que acabam em dor, há sempre o futuro, e foi ele que a salvou. “Foi o dia mais triste da minha vida, mas foi também o mais feliz porque anunciei que estava grávida. Isso ajudou a que fosse mais tranquilo porque tinha algo que me ocupasse o coração. O meu filho foi como se fosse a minha Medalha Olímpica, e agora já tenho duas medalhas”. E sorri.