A liberdade é também para os que nos chateiam

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Quando António Costa resolveu, na noite eleitoral de 2022, encher os pulmões e dizer “Não passarão!” relativamente ao Chega - para gáudio dos seus fãs - já estava em marcha a ascensão do partido de Ventura de uma forma tão evidente que só não via quem não queria. A cada mês de “mais do mesmo”, de mais um “caso” ou de outro “casinho”, era preciso ser muito ingénuo para não prever que o populismo só poderia subir e que quem estava a mandar iria pagar a fatura. Costa é tudo menos ingénuo... Mas ele tinha a sua cápsula de sobrevivência preparada, com a Europa aqui tão perto. E o timing do fim do seu próprio Governo foi, afinal, perfeito. Que sorte, hein!

Ele sai imaculado e o seu partido cai - à semelhança dos socialistas franceses, há uns 30 anos, num processo em tantas coisas semelhante que é preciso ser muito arrogante para nem sequer considerar que aqui tal se daria.

Quando os ventos da extrema-esquerda tentam aumentar impostos sobre os “mais ricos”, o que acontece habitualmente é o Estado arrecadar, em proporção, menos dinheiro. Aconteceu há pouco tempo na Noruega, por exemplo, em mais uma deriva europeia de “justicialismo fiscal”.

Quem tem meios legais para pagar menos fá-lo-á sempre, e quem tem mais rendimento tem, claro, mais meios...

Quando alguém tem uma ideia que desagrada a muitas pessoas, e até pode ser a maioria da população - é contra a despenalização do aborto, por exemplo... mas pode ser outra coisa qualquer -, e decide pagar do seu bolso espaço publicitário, ou dar palestras, com esses conteúdos, muitos dos que ainda há ‘cinco minutos’ se diziam arautos da liberdade de expressão passam a gritar às autoridades para que o calem. Haver um organismo de censura, de repente, passou a ser boa ideia.

Curioso, vindo isto mais ou menos dos mesmos que todos os anos descem, de cravos em punho, a Avenida da Liberdade! E, daí, talvez não seja assim tão estranho, uma vez que só em novembro, também no dia 25, se sedimentou que pensar diferente afinal não merecia nem ameaças, nem lesões físicas.

Tudo isto tem em comum a incapacidade de algumas (muitas) pessoas de compreenderem que a realidade é, sempre, dinâmica. Quem hoje votava aqui, amanhã vota ali - em especial se durante anos se sente que nada verdadeiramente importante mudou; os que agora vivem e pagam contribuições cá, num mundo livre, de um momento para o outro deixam de cá estar - é por isso que houve quem construísse muros; e se amas mesmo a liberdade, defenderás até o energúmeno mais idiota do direito de a exercer, por mais estúpidos que sejam os seus atos, desde que sejam conformes ao Estado de Direito.

Fosse a vida a previsibilidade regulada (e vigiada) ao detalhe que aquelas pessoas aparentemente desejam que seja, não haveria evolução, inovação e, na realidade, nenhum de nós estaria aqui. Não tínhamos sequer saído da sopa de aminoácidos disforme, sem identidade, que foi o berço da vida na Terra. E para onde parecem querer atirar-nos de novo.

Editor do Diário de Notícias

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