A lei da ficha lavada

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Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil em 2018 porque os ventos sopraram todos a favor.

Por exemplo, aproveitou o embalo da eleição, dois anos antes, de Donald Trump no país, os EUA, que inspira e modela boa parte dos brasileiros.

Por outro lado, mesmo sem tempo de antena expressivo na televisão, soube fazer uma campanha eficaz (e aldrabona) na internet, então a dar os primeiros passos como principal plataforma eleitoral em substituição da TV.

Ainda capitalizou o evento mais dramático da campanha, a facada que sofreu a menos de um mês da ida às urnas.

E, acima de tudo, apropriou-se da bandeira do momento, a Operação Lava-Jato, que afastou da corrida eleitoral o líder das sondagens, Lula da Silva, ao abrigo da Lei da Ficha Limpa, que prevê a inelegibilidade de cidadãos condenados em segunda instância, vendendo-se como um político incorruptível.

Para fazer jus à fama de incorruptível, em março de 2019, quando estava há apenas três meses no Palácio do Planalto, emitiu até um decreto para a contratação de funcionários públicos em que a regra principal era “a inclusão da Lei da Ficha Limpa como critério” para essa mesma contratação.

O mandato de quatro anos passou, as eleições de 2022 também e Bolsonaro, após derrota para Lula, passou à condição de ex-presidente.

Nos meses seguintes, o Tribunal Superior Eleitoral condenou-o a oito anos de inelegibilidade por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação para questionar, sem provas, a segurança das urnas eletrónicas numa reunião com embaixadores.

Além dessa condenação, Bolsonaro foi constituído arguido pela Polícia Federal pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa por suposto envolvimento no plano que visava derrubar e assassinar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e um juiz do Supremo.

É arguido ainda por associação criminosa e inserção de dados falsos no caso da alegada fraude no cartão de vacinação para poder escapar para os EUA após a derrota eleitoral.

E, para concluir, por associação criminosa, lavagem de dinheiro e apropriação de bens públicos no escândalo do desvio de joias oferecidas ao Estado brasileiro pelo governo saudita.

Esta sucessão de eventos levou o amante da Lei da Ficha Limpa, em 2019, a seu principal detrator, em 2025. “Quero acabar com a Lei da Ficha Limpa, hoje ela só serve para perseguir a direita”, escreveu o ex-presidente no dia 7.

Mário Frias, seu secretário da Cultura e ex-ator de Malhação, apelidou a lei que vetou Lula em 2022 de “imbecilidade de esquerda”.

No Parlamento, um deputado bolsonarista já reuniu 73 assinaturas para a tramitação de um projeto que prevê que a lei seja alterada para reduzir a pena de inelegibilidade por crimes eleitorais a dois anos.

Isto é, Bolsonaro ficaria inelegível só até 2024, o ano passado, e não até 2030, podendo, portanto, concorrer à Presidência em 2026.

E provavelmente, porque a credulidade da população bolsonarista não tem limites, voltando a vender-se como um político incorruptível.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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