A lança portuguesa no Congresso americano

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O democrata Tony Coelho, que chegou a liderar a bancada da maioria na Câmara dos Representantes no final dos anos 1980, continua a ser o mais bem sucedido político americano de origem portuguesa (Ernest Moniz foi secretário da Energia na Administração Obama, mas era um cientista chamado ao governo). Há mesmo quem especule que o californiano com raízes nos Açores, hoje com 82 anos, poderia ter concorrido à Casa Branca se não fossem os problemas de saúde. Ora, dessa mesma Califórnia que durante anos elegeu e reelegeu Coelho são também três dos quatro luso-descendentes que vão sentar-se a partir de sexta-feira no novo Congresso: Jim Costa, David Valadao e Eric Salwell. Já Lori Loureiro Trahan é congressista pelo Massachusetts.

A ligação a Portugal de cada um dos congressistas varia muito, e se alguns até têm um apelido facilmente identificável como Costa, já Valadao perdeu o til e Salwell usa o nome de um ramo não português da família, lembrando como a América é o tal melting pot. Mas seja qual for a ligação, e muitas vezes passaram já várias gerações desde a emigração para o outro lado do Atlântico, ela é reforçada todos os anos com uma visita a Portugal organizada pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, a FLAD, que promove em Lisboa o Legislator’s Dialogue, que põe dezenas de políticos americanos (a nível federal e estadual) com raízes portuguesas a contactar com o país dos antepassados, incluindo encontros com o Presidente da República e o primeiro-ministro.

Foi numa das vindas de Costa a esse evento da FLAD que entrevistei o mais veterano dos congressistas luso-americanos, um político democrata experiente, tão admirador de Joe Biden como crítico de Donald Trump, que tem estado sempre na primeira linha da defesa de relações estreitas entre os Estados Unidos e Portugal. Também Valadao já foi entrevistado pelo DN, ele que no novo Congresso será o único republicano entre os quatro luso-americanos, pois John Duarte falhou a reeleição por pouco mais de uma centena de votos. Até sexta-feira Duarte ainda é formalmente congressista pela Califórnia, um estado que tem fornecido a maioria dos políticos luso-americanos de destaque, como é caso de Devin Nunes (também entrevistado há uns anos pelo DN durante um Legislator’s Dialogue da FLAD), um republicano que no primeiro mandato de Trump foi um dos grandes aliados do presidente na Câmara dos Representantes e agora, quando Trump tomar posse de novo a 20 de janeiro, terá um cargo de conselheiro junto da Casa Branca.

A vocação atlantista de Portugal marcou desde o início a relação com os Estados Unidos, com o rápido reconhecimento da independência, logo em 1783. E os dois países terem sido fundadores da NATO em 1949 foi resultado de uma proximidade geopolítica reforçada pelos Açores, não só pelo papel da base das Lajes mas também pela sua diáspora na América. Hoje, a forma natural como Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro felicitaram a eleição de Trump a 5 de novembro, mostra como se trata de uma relação bilateral que não depende da cor política de quem governa e que tem imenso potencial ainda por explorar, inclusive do ponto de vista económico, pois em 2023 os Estados Unidos tornaram-se o maior investidor estrangeiro em Portugal e o principal parceiro comercial fora da União Europeia. Não é por acaso que Paulo Rangel, ministro dos Negócios Estrangeiros, numa recente visita, descreveu os Estados Unidos como um parceiro estratégico fundamental.

Ora, a participação política dos luso-americanos é discreta mas relevante para essa parceria, como já se viu no passado, basta pensar no congressista Coelho a pressionar a Administração Reagan com o caso de Timor sob ocupação indonésia. E por isso a importância do número de congressistas de origem portuguesa. Serão quatro em vez de cinco a partir de dia 3 de janeiro, mas não deixa de ser uma bela representação esta lança portuguesa no Congresso. Afinal, o censo de 2020 contabilizou 1,5 milhões de americanos com origem portuguesa, ou seja menos de 0,5% da população, mas os quatro luso-americanos em 435 membros da Câmara dos Representantes significam quase 1%. Só é pena não haver nenhum luso-descendente no Senado.

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