A jangada de pedra socialista
Há décadas a Península Ibérica era uma referência política no que respeita aos princípios e valores do socialismo democrático.
Havia estadistas, coisa que parece estar em vias de extinção, ou mesmo extintos.
No contexto europeu os nomes socialistas de Filipe González ou José Luís Zapatero, em Espanha, e de Mário Soares em Portugal, representavam o que mais digno existia no conceito internacional socialista. A Península Ibérica era, de certo modo, um farol na sinalização de uma sociedade justa e com preocupações sociais.
Filipe González de 1982 a 1996, com as suas três maiorias absolutas e 14 anos de governo modernizou a Espanha, afirmou o país no contexto europeu. Por seu lado Mário Soares colocou Portugal na União Europeia e o país modernizou-se quase acompanhando, no início, o ritmo de nuestros hermanos.
Depois, os tempos mudaram. Hoje a Espanha é um triste exemplo do mais degradante exercício de corrupção e tráfico de influências que um país pode conhecer. Desesperadamente agarrado ao poder, Pedro Sánchez está rodeado de gente pouco recomendável. Santos Cerdán (em prisão preventiva) e José Luís Abalos, os principais suportes de Sánchez no PSOE estão hoje a contas com a Justiça por alegada corrupção e tráfico de influências. São os mesmos que em 2014 foram decisivos na vitória de Sánchez no PSOE e que o conduziriam ao cargo de primeiro-ministro de Espanha em 2018 . Abalos, ex-ministro dos Transportes, terá montado no seio do PSOE uma teia de alegada corrupção e recebimentos indevidos de grandes empresas de construção.
Por cá nas últimas décadas os governos de José Sócrates e António Costa deram alguns contributos para a má imagem que o socialismo tem na Península Ibérica. Dois ex-primeiros-ministros portugueses que deixaram o poder por casos de Justiça, ainda por esclarecer. O exercício governamental de Sócrates teve alguns momentos de vitalidade. Sócrates, como primeiro-ministro, deixou a sua marca nalguns aspetos da modernização de Portugal. O Simplex, os avanços no campo ambiental com as energias alternativas, a digitalização com a afirmação internacional do computador Magalhães, o projeto do Parque Escolar com a modernização de tantas e tantas escolas portuguesas foram iniciativas que, definitivamente, têm a assinatura de Sócrates. Mas, depois, a evolução foi o que todos sabemos e o ex-primeiro-ministro está hoje na barra da Justiça por alegada corrupção, tráfico de influências e branqueamento de capitais.
Convenhamos, pois, que Portugal tem dado uma significativa ajuda na má imagem de uma Península Ibérica que em termos de decência política já conheceu melhores dias. António Costa, foi, igualmente, um ex-primeiro- ministro que se demitiu na sequência da descoberta nas instalações do seu chefe de gabinete de 75 mil euros em dinheiro vivo que, até hoje, não se sabe a proveniência. Um assunto que está, ainda, entregue à Justiça e sobre o qual não tem havido desenvolvimentos nos últimos tempos.
Sócrates e Costa são, portanto, os mais diretos responsáveis pela situação em que se encontra hoje o PS, na sua condição de terceira força partidária no leque parlamentar português.
José Luís Carneiro, atual secretário-geral, não tem tarefa fácil para devolver ao Partido Socialista a força e vitalidade que os socialistas precisam para ambicionarem, um dia, regressarem ao poder. Até agora José Luís Carneiro tem primado pela hesitação. Tem falado mais para dentro do partido do que para o país. O seu exercício de oposição tem sido frágil, sem propostas que tenham força para retirar protagonismo ao Chega. O adiamento ao apoio à candidatura de António José Seguro, por receio da ala Costista, só contribui para que José Luís Carneiro possa estar a construir o seu caminho para um líder de transição. Onde devia existir determinação, há fragilidade. Onde devia verificar-se decisão, há sistemáticos adiamentos. José Luís Carneiro não está a comportar-se como um líder, mas sim como um gestor titubeante de duas fações que coexistem no PS. Uma centrista e moderada e uma segunda situada mais à esquerda.
Esta é, pois, a realidade do socialismo na Península Ibérica. Se em Espanha Pedro Sánchez for afastado, politicamente, o que não deverá demorar muito tempo, restará um PS português fragilizado, com uma longínqua possibilidade de ascender ao poder. Convenhamos que o socialismo democrático já conheceu melhores dias e em termos de iberismo, se não existir uma alteração profunda na atual lógica política do PSOE e do PS, lá teremos a Península Ibérica transformada numa espécie de jangada de pedra socialista.
Jornalista