A Inteligência Artificial e o fim da Era das Grandes Consultoras

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A democratização da Inteligência artificial (IA) está a abalar os alicerces das grandes consultoras multidisciplinares multinacionais. Ferramentas antes exclusivas destas multinacionais tornaram-se acessíveis a pequenos e médios escritórios prestadores de serviços, nivelando a competição. Hoje, um advogado em prática individual, um pequeno ou um médio escritório de advocacia, munido de software de IA avançado, consegue – com redução significativa de tempo – realizar tarefas que exigiam horas de trabalho de equipas inteiras. Pesquisas jurisprudenciais, análise comparativa de contratos ou a elaboração de peças processuais simples, podem ser automatizadas, com uma rapidez e qualidade de resposta antes reservadas às grandes consultoras multidisciplinares com softwares caros e exclusivos, de custos computacionais muito elevados.

As mesmas grandes multinacionais que se propuseram monopolizar a consultoria e que estiveram na base do movimento europeu e a nível nacional, no sentido de liberalizar os serviços jurídicos – o que foi parcialmente conseguido no nosso país com as alterações introduzidas ao Estatuto da Ordem dos Advogados e à Lei dos Atos Próprios –, movimentam-se agora num novo cenário: o da democratização da IA.

Por vezes o futuro reserva-nos, por maiores que sejamos, desafios inesperados e difíceis de transpor. Segundo o Legal Industry Report 2025, divulgado pela ABA no portal Law Technology Today, 78% dos usuários de IA em serviços de consultoria, relatam ganhos de produtividade e de qualidade nos serviços prestados. Na realidade, tarefas antes executadas por equipas numerosas estão agora a ser automatizadas ou ao alcance de estruturas pequenas, mas ágeis. Ferramentas de IA generativa produzem minutas de textos contratuais e peças judiciais, com grande acerto e rigor, desde que as ferramentas utilizadas se encontrem devidamente costumizadas e lhe sejam dados os prompts competentes.

Por seu lado, algoritmos preditivos permitem a pequenas e médias consultoras elaborar estudos de mercado internamente, minando o monopólio do conhecimento especializado que sustentava a supremacia das gigantes. A IA permite à pequena e média consultoria empresarial realizar análises estratégicas e operações antes reservadas às firmas globais, permitindo-lhes competir, quase em pé de igualdade, a custos muito reduzidos.

Perante isto, as grandes firmas multinacionais são obrigadas a repensar o seu valor e modelos de funcionamento e crescimento. Na verdade, chegou ao fim a estratégia dos exércitos de juniores e da oligopolização da oferta a preços elevados. Vão ter de competir diretamente com boutiques especializadas e ágeis, altamente preparadas e com grande capacidade de adaptação, atributos que as grandes consultoras não têm. É caso para dizer, tanto tempo e recursos despendidos ao longo dos anos em influência política e afins, para serem agora desfeiteados pela evolução galopante e fenomenal da democratização das ferramentas de IA.

A par de tudo isto, à medida que a tecnologia nivela a componente técnica e a rapidez e competitividade da oferta, crescem em importância os atributos humanos. A relação personalizada, a competência técnica, a confiança e o discernimento ético, tornaram-se trunfos decisivos, porquanto distintivos. Pequenos e médios escritórios que aliam a eficiência da IA à proximidade no atendimento servem o cliente com rapidez sem perder o toque humano.

Num mercado em que as ferramentas estão disponíveis para todos, serão a criatividade, a empatia, a competência técnica e o conhecimento profundo do cliente a ditar a diferença. O novo paradigma anuncia o fim da Era das Grandes Consultoras, pelo menos, como as conhecemos até hoje.

Advogado e sócio fundador da ATMJ – Sociedade de Advogados

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