A insolvência da Inapa deve ser esclarecida
A insolvência da Inapa, a maior distribuidora de papel da Europa, que emprega 1400 pessoas (200 das quais em Portugal), é uma daquelas situações em que até um cego consegue ver que estão mal explicadas. Mas vamos por partes.
Em primeiro lugar, a Inapa já era notícia há muitos anos pelos problemas que atravessava e pela dificuldade em adaptar-se aos novos tempos. Ao contrário da Navigator e de outras empresas portuguesas que se souberam reinventar nas últimas décadas, a Inapa ficou para trás, tomou várias opções erradas e insolveu literalmente num fim de semana, deixando um rasto de dívidas e de perdas avultadas para milhares de investidores, muitos deles pequenos aforradores. Provavelmente, a Inapa não teria futuro no mundo competitivo em que vivemos, pelas opções estratégicas que tomou e pelos erros que cometeu durante anos a fio, mas não é líquido que tivesse de acabar num processo de insolvência, porque havia entidades interessadas na compra da empresa, como de resto se comprovou nas últimas semanas (leia mais aqui).
Em bom rigor, são mais as perguntas que as respostas. Não se entende como é que a administração apresenta um relatório e contas onde atesta que não existem riscos à continuidade da operação durante os 12 meses seguintes, para logo de seguida a empresa anunciar a insolvência. Não se entende como é que os auditores externos não colocaram as devidas reservas a essas contas. E não se entende porque é que o principal acionista, a Parpública, não se mostrou minimamente interessada em facilitar a venda da empresa, quando de facto existiam interessados na sua aquisição.
E quando a empresa, já com o baraço ao pescoço, pediu uma linha de emergência que a salvaria da insolvência, com a promessa de que o grupo japonês JPP iria comprar uma parte dos ativos (permitindo reembolsar o Estado), o Ministério das Finanças recusou apoiar, condenando a empresa à morte. Fosse por excesso de zelo, ou por rigor ideológico, o certo é que Portugal perdeu mais uma das suas grandes empresas.
O que aconteceu nas últimas semanas comprova, de resto, que a decisão do Governo poderá não ter sido a melhor. O mesmo grupo que manifestou interesse em comprar a Inapa antes da insolvência, o conglomerado nipónico JPP, anunciou na passada sexta-feira a aquisição da Inapa France, um dos ativos mais interessantes que a empresa portuguesa detinha. E vai pagar 25 milhões de euros, o que corresponde a mais do dobro dos 12 milhões que a Inapa pediu para evitar a falência. Outro comprador adquiriu uma unidade da Inapa por 20 milhões de euros. E mais vendas se seguirão, desmembrando o grupo. Talvez o desmembramento fosse inevitável, é certo, mas se tivesse ocorrido fora de um quadro de insolvência teria sido melhor para todos, incluindo para o Estado. Importa perceber o que correu mal para que assim não fosse e, neste âmbito, o papel da CMVM é fundamental.
Diretor do Diário de Notícias