A insegurança que nos devia envergonhar

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Rute, de 45 anos, e a sua filha Maria, de 17, morreram esfaqueadas em casa por um marido e padrasto agressor que se suicidou em seguida, deixando órfã uma bebé de 16 meses, a única sobrevivente de mais um crime bárbaro de violência doméstica em Portugal. São os nomes mais recentes adicionados a uma lista negra que nos deveria envergonhar. Uma lista que teima em crescer, a um ritmo inaceitável, reforçando a violência doméstica e de género como uma das principais epidemias sociais com que nos debatemos. No total, só no primeiro mês deste ano já morreram pelo menos quatro mulheres nesse contexto. Repito: inaceitável.

O Estado continua a falhar perante estas mulheres e crianças, incapaz de ativar os mecanismos de proteção necessários para lhes garantir segurança e justiça. Mas continuamos a falhar também todos nós, enquanto sociedade, incapazes não só de educarmos para uma verdadeira cultura de igualdade e de respeito pelo outro, como também de exercer uma cidadania ativa e vigilante em relação ao que deveriam ser valores inegociáveis numa sociedade evoluída.

A violência doméstica (que também afeta homens, mas da qual as mulheres são de longe as principais vítimas) é um crime público. E pior ainda do que o velho chavão bafiento de que entre marido e mulher não se deve meter a colher, hoje alastra uma preocupante falta de empatia pelo outro, uma quase absoluta indiferença em relação aos problemas alheios, a menos que interfiram na nossa rede de Wi-Fi.

No caso de Rute e da sua filha Maria, a mulher tinha saído recentemente de casa com as filhas e, entretanto, regressado após uma reconciliação. Já Maria Alcinda, degolada a golpes de tesoura em frente aos filhos menores, a 9 de janeiro, tinha até alertado as autoridades, numa queixa prévia contra o marido violento que acabou arquivada. E para a septuagenária estrangulada na Ajuda a 7 de janeiro eram habituais os gritos e discussões com o marido, segundo relatos dos vizinhos.

Em todos estes casos, podíamos e devíamos ter feito mais e melhor. Há, de facto, uma sociedade negligente que está a custar a vida a muitas mulheres, como denunciava em novembro passado o Observatório das Mulheres Assassinadas, na apresentação do relatório preliminar de 2024 que contabilizava 25 mulheres mortas até 15 de novembro, 20 das quais em contexto de violência de género.

Numa altura em que a segurança pública desperta tantas perceções, que tal começarmos por nos preocupar em garantir ambientes seguros dentro de casa? Aí, ainda para mais, a gravidade é reforçada pelos dados: segundo o último Relatório de Segurança Interna, a violência doméstica é mesmo o crime mais praticado em Portugal. Até quando o vamos permitir?

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