A insegurança está nas nossas cabeças

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Saio do autocarro numa manhã de sol e percorro a Rua Sampaio Bruno, em Campo de Ourique. Às tantas dois adolescentes chegam perto, ameaçam-me e roubam o (pouco) dinheiro que tenho nos bolsos, para logo depois fugirem a correr. Outro dia, num final de tarde de inverno, na rua das Amoreiras, quase a chegar perto do shopping, um adulto ameaça-me com uma pequena faca e pede-me todo o dinheiro que tenho. Penso duas vezes se cedo ou se me defendo, escolhi o mais sensato, tirei a única nota que tinha no bolso e dei-lha. E, ainda outra vez, ao sair do comboio, em Paço d’Arcos, poucos metros depois da estação, três indivíduos encostam-me à parede, revistam-me e tiram as notas e moedas que tinha.

Todos estes episódios são verdadeiros e aconteceram nas décadas de 1980 e 1990. Nesses anos era quase “normal” ser-se assaltado na rua, sobretudo para um adolescente/jovem adulto. Quem tomou atenção ao início do texto, percebeu que os sítios onde aconteceram não foram guetos ou locais de “má frequência”, antes pelo contrário. Mas acontecia amiúde, comigo e com outros da minha idade. Até tínhamos truques para lidar com isso: andávamos com moedas no bolso para esses “assaltos” e guardávamos as notas de valor mais graúdo nos sapatos.

Era assim a Lisboa daquela altura. Por isso mesmo, quando oiço afirmarem que o país está inseguro como nunca antes, só não consigo rir porque percebo que é uma manipulação da direita populista. Aliás, esse discurso da insegurança pegou e está em todo o lado, em todas as conversas de café. Estou certo de que muitas das conversas de família nos dias de Natal incluíram as palavras insegurança e imigrantes, e que as ligaram com facilidade inusitada, à laia de comentário futebolístico.

Os dados, os verdadeiros, estão aí nos sítios onde a informação é séria e comprovada, como o DN: Portugal continua a ser um dos países mais seguros do mundo e não existe ligação direta entre criminalidade e imigração. Se tivesse mais espaço para escrever repetiria estas últimas palavras até à exaustão para que os leitores percebam que antes de repetir e potenciar uma verborreia panfletária sem sentido, deve-se pensar e refletir sobre o que se diz. É que há certos assuntos que não podem ser discutidos como quem faz comentários a um jogo de futebol.

Editor do Diário de Notícias

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