A inflação dos bens alimentares: o recente alerta da OIT
Presenciando diversos escândalos políticos, mas também financeiros, em particular no setor bancário e no setor da aviação, a maioria dos portugueses enfrenta hoje significativas dificuldades financeiras desencadeadas pela persistente inflação, em particular ao nível do preço dos bens alimentares. De acordo com a OCDE, os preços dos alimentos aceleraram em 33 países-membros, tendo a inflação atingido o nível mais alto desde maio de 1974. Em Portugal a inflação média em 2022 ficou em 7,8%, sendo que o nosso país é um dos países da União Europeia em que a inflação dos bens alimentares está mais acima da taxa de inflação geral.
Recentemente a Organização Internacional do Trabalho (OIT), no seu Relatório Global sobre Salários 2022-2023: o impacto da inflação e da covid-19 nos salários e no poder de compra, identifica a inflação, a desaceleração do crescimento económico, gerada pela guerra na Ucrânia, e a crise energética como os principais responsáveis pela quebra do poder de compra. E alerta para o aumento das desigualdades salariais, da pobreza e, ainda, para o incremento de conflitos sociais pelo mundo. Este documento da OIT mostra que o crescimento da inflação tem um impacto mais acentuado no custo de vida das pessoas, que gastam boa parte do seu dinheiro em bens essenciais, que são aqueles que mais têm aumentado com a subida da inflação, em particular os bens alimentares. Deste modo, a OIT considera que é preciso adotar medidas urgentes como, por exemplo, a redução do IVA nos bens essenciais, de forma a reduzir a pressão da inflação junto das famílias.
Em Portugal, e ante este progressivo mal-estar social, em dezembro último, foi divulgada a síntese da execução orçamental pela Direção-Geral do Orçamento, dando conta de que a receita do IVA até novembro de 2022 aumentou 19,5%, ou seja, significando mais 3188,4 milhões de euros face ao período homólogo.
Ora, neste contexto internacional de inflação, que afeta especialmente os preços dos bens alimentares e a energia, em Portugal a preocupação será a de saber se os salários nominais por trabalhador - em particular no setor privado - acompanharão este aumento dos preços, uma vez que muitas empresas não procederão a qualquer aumento salarial. E, em especial, perceber como resistirá a denominada "classe média", assolada por uma forte pressão fiscal, e que corre um sério risco de desgaste.
Uma classe média forte é crucial para o desenvolvimento sustentável de um país. A classe média é responsável por grande parte do investimento em Educação, Saúde e habitação e desempenha um papel fundamental no apoio aos sistemas de proteção social por meio do seu esforço contributivo. Além do mais, as sociedades com uma classe média robusta desfrutam de níveis mais altos de confiança e satisfação com a vida, além de maior estabilidade política e exigências de boa governação. Por todas estas razões, não podemos permitir um forte depauperamento da classe média, cabendo conceber e implementar respostas urgentes e adequadas à erosão progressiva da classe média em Portugal.
Professora universitária e investigadora