A importância do voto nos Círculos da Emigração

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A votação nas comunidades nas últimas eleições legislativas foi a mais elevada da história da nossa democracia. Votaram 334 mil eleitores nos dois círculos eleitorais, perto de 70% na Europa. A Europa afirma-se assim, definitivamente, como o lugar privilegiado de emigração dos portugueses, porque é um espaço de livre circulação, com direitos de cidadania reconhecidos, com muitas oportunidades e onde existe já uma rede de portugueses profundamente enraizada nas sociedades de acolhimento.

O grande salto na participação deu-se com a implementação do recenseamento automático, em 2019, e desde então o número de votantes tem vindo sempre a aumentar: 158 mil em 2019, 240 mil em 2022 (na primeira votação) e 334 mil em 2024. E o potencial de crescimento nestes círculos eleitorais continua enorme, porque há mais de 1 milhão e meio de eleitores, 937 mil na Europa e 609 mil fora da Europa.

Na Europa votaram cerca de 234 mil votantes, o equivalente a 25%, um recorde absoluto, o que denota uma vontade muito maior de envolvimento nos destinos do país. Isto significa que o Círculo Eleitoral da Europa é o terceiro maior a seguir a Lisboa e ao Porto e o nono em número de votantes, a seguir a Lisboa, Porto, Braga, Setúbal, Aveiro, Leiria, Santarém, Coimbra e Faro.

Estamos, portanto, perante novas realidades que já nada têm a ver com a emigração dos Anos 60 e 70. A formação académica e profissional é mais elevada, os interesses e objetivos de vida são diferentes, bem como a natureza do vínculo ao país.

Hoje é também mais fácil aos residentes no estrangeiro regressarem ao país e, apesar de continuar a haver anualmente um fluxo migratório digno de registo, também se verifica um número elevado de regressos ao país, quer de pessoas em idade ativa e com elevada percentagem com formação superior, quer em idade de reforma.

Em relação ao primeiro caso, é importante ter presente a necessidade de haver as respostas adequadas em termos de condições de trabalho e diversificação de oportunidades. Quanto ao segundo, impõe-se que sejam criadas condições para que os reformados portugueses possam fixar a residência fiscal em Portugal sem serem desproporcionadamente taxados em IRS relativamente ao que pagariam de imposto no país onde construíram a pensão.

Tratando-se de um voto por correspondência, mais uma vez se repetiram as situações anómalas e as dúvidas. As situações anómalas foram as irregularidades detetadas em Macau, com sindicatos de voto, pelo que o Partido Socialista apresentou queixa e que a Comissão Nacional de Eleições enviou depois para o Ministério Público. No Brasil, para além dos já correntes arrebanhamentos de votos, deve assinalar-se a influência nos resultados da mobilização das estruturas do bolsonarismo e das correntes evangélicas para o partido de extrema-direita português.

Mas também, o que é uma novidade por ser na Europa, as dúvidas que se levantam devido aos resultados na Suíça a favor do Chega, devido a uma enorme desproporção nos resultados, o único país em que isso aconteceu e com diferenças totalmente anómalas relativamente ao número de votos obtidos pelo PS e pelo PSD. O que não invalida a necessidade de analisar os motivos que levaram a semelhante votação a favor da extrema-direita. O grande paradoxo é que muitos portugueses a viver noutros países parecem esquecer a sua condição de estrangeiros ao darem o seu apoio a um partido que cresce à custa das suas posições contra os imigrantes.

Exige-se, pois, que o sistema de votação seja mais fiável, que elimine dúvidas e que não gere tanto desperdício de votos, quer devido à anulação por falta da fotocópia do Cartão do Cidadão, quer em termos ecológicos e financeiros, visto que cerca de um milhão e cem mil votos são ignorados pelos eleitores, o que representa algumas toneladas de desperdício de papel e de alguns milhões de euros, visto que, só em correio registado, a operação eleitoral custa aos cofres do Estado cerca de 7 milhões de euros.

Na legislatura que agora se está a iniciar há, portanto, muito trabalho a fazer na revisão das leis eleitorais. Mas, independentemente de todas estas considerações, os resultados eleitorais que deram o mesmo número de deputados aos grupos parlamentares do PS e do PSD e dois deputados à extrema-direita nos Círculos da Emigração mostram com grande clareza que nenhum partido deve ignorar as comunidades.

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