A imparcialidade judiciária, segundo o Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura

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1- A constituição de uma “task force” pelo Conselho Superior da Magistratura para acompanhar o processo marques é um acto inconstitucional. Trata-se de estabelecer uma tutela administrativa sobre o poder jurisdicional num processo criminal em concreto. A óbvia intenção é a de limitar o direito de defesa e pressionar os juízes a tomar decisões desfavoráveis aos visados.

2- Diz o senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura, na entrevista que hoje dá ao jornal “expresso”, que “não tenho razão nenhuma” – mas não diz porquê. Basta dizer que não, que não tenho razão. O senhor juiz não está habituado a explicar-se. A sua posição de autoridade parece-lhe suficiente.

3- O senhor Presidente do Conselho decide também, embora implicitamente, dar ordens à juíza – “não sei porque é que ainda não marcou o julgamento”. Eu respondo, senhor juiz: por mais que as deteste, ainda há regras que dizem respeito ao devido processo legal. Não pode haver julgamento sem acusação nem pronúncia. Neste processo não existe uma nem outra.

4- Prosseguindo a explanação do seu pensamento sobre a política de justiça, diz o senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura, em síntese, que os recursos dos cidadãos visados em processo penal são manobras dilatórias e que a instrução deve ser reduzida ao debate instrutório.

5- Todavia, quanto à outra parte, quanto ao ministério Público, isto é, ao Estado, este pode prender e difamar à vontade durante o tempo que quiser. O processo marquês teve quatro anos de inquérito; o processo “influencer” leva apenas um e meio: nada demais. Deve ser a isto que o senhor Presidente

chama de “igualdade de armas” ou de “ampla defesa”, ambos conceitos-chave do devido processo legal.

6- Mas o pior é que o senhor juiz, revelando uma surpreendente e inédita falta de escrúpulo, acha-se no direito de se pronunciar, em concreto, sobre um processo que está em discussão judicial nos tribunais.

7- Mais uma vez, esclareçamos: a decisão instrutória de 2021 considerou todas as acusações do processo marquês como “fantasiosas, incongruentes e especulativas”. A decisão da Relação de março de 2024 anulou a pronúncia para julgamento. São estas as duas decisões que tiveram como consequência não haver julgamento no processo marquês, não foram manobras dilatórias nenhumas.

8- Na verdade, e no que se refere ao processo marquês, a entrevista mostra que o senhor juiz nunca aceitou a decisão instrutória de 2021.Verdadeiramente, é essa decisão que ataca. Verdadeiramente é essa decisão que o incomoda.

9- É certo que existe um acórdão da Relação, de janeiro de 2024, que pretende, com base no truque do “lapso de escrita”, reverter a decisão instrutória e pronunciar os visados. Mas esse acórdão está sob contestação. Esse acórdão não transitou em julgado. Como se atreve o senhor juiz a falar em julgamento se isso está ainda em disputa nos tribunais? Como levar a sério a sua isenção? Como respeitar a sua independência?

10- No final, lida toda a entrevista, quando o senhor juiz defende energicamente o Ministério Público, quando diz que um ano e meio para investigar o antigo primeiro-ministro não é muito, a pergunta que nos fica no espírito é a seguinte – que confiança podemos ter na sua imparcialidade? Nenhuma, senhor juiz, nenhuma.

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