A imoralidade das taxas turísticas

Publicado a
Atualizado a

A moda das taxas e taxinhas está de volta, com o pormenor de alguns dos que as criticavam no passado terem agora descoberto esta modalidade, fácil e pouco transparente, de engordar os orçamentos municipais. Um caminho imoral, porque abusa do seu enquadramento legal e porque funciona como um imposto encoberto aplicado aos cidadãos nacionais que, em trabalho, têm de pernoitar em território nacional. Na minha leitura, viola grosseiramente o princípio da igualdade plasmado na Constituição da República.

A origem da ideia é o facto de algumas cidades portuguesas terem entrado no radar do turismo internacional, atraindo hordas de turistas que geram externalidades negativas acrescidas. Para fazer frente aos custos associados a esta nova realidade, foi seguido o caminho de outros países, com Lisboa e Porto à cabeça, iniciando-se a cobrança da taxa turística por cada noite dormida em estabelecimento hoteleiro. A lógica pode ser disputada, porque ignora o circuito das externalidades positivas, mas vamos aceitá-la.

Para que serve então este dinheiro? Na informação divulgada pela Câmara de Lisboa, alimentará um Fundo de Desenvolvimento Turístico que financiará “projetos, estudos, equipamentos ou infraestruturas que produzam impacto direto ou indireto na promoção e qualidade do turismo na cidade.” Parece bem, mas há três problemas.

O primeiro problema é o rastreamento desse fluxo financeiro. Desde que, em 2016, foi criada em Lisboa a taxa, já gerou algo como 200 milhões de euros. Das promessas originais, que incluíam transferências para as freguesias, pouco ou nada se sabe. Não se vislumbra ao certo como se escrutina o destino desse dinheiro.

O segundo problema é a arbitrariedade dos aumentos. Já este ano, Lisboa duplicou essa taxa de 2 para 4 euros. O Porto quer subi-la de 2 para 3 euros. Ao que parece, não há limites legais, pelo que ao presidente da Câmara basta decidir quanto é que quer arrecadar de receita extra e dividir o valor pelo número anual de dormidas. É mais rentável e menos trabalhoso do que uma mina de ouro.

O terceiro e mais grave problema é a aplicação da taxa turística a não-turistas. Vejamos um exemplo. Portugal é um país macrocéfalo, onde milhares de pessoas têm de se deslocar a Lisboa dezenas de vezes por ano para trabalhar. Se um cidadão viver longe da capital e lhe marcarem uma reunião ao início da manhã com uma das centenas de entidades públicas aí sedeadas, então tem de ir de véspera e pernoitar num hotel. Como o turismo pressiona os preços, nalguns períodos do ano a estadia pode custar 100, 200 ou mais euros. Em cima disto, o trabalhador residente em Portugal, que não é turista e que é forçado a ir a Lisboa em trabalho, ainda vai pagar, naquela noite, uma taxa de 4 euros destinada à promoção do turismo. Ou seja, Lisboa socializa os custos e retém os benefícios. É imoral.

E vai ter de parar.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt