A ilusão de um apoio que nunca chega

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Em Portugal, todos os anos, milhares de famílias enfrentam a mesma angústia: não encontram vaga para os seus filhos nas creches. Em cada início de ano letivo, repete-se a corrida desesperada por um lugar que garanta segurança, acompanhamento e condições dignas às crianças. O Governo anuncia sucessivos programas de apoio, proclama “gratuitidade” e expansão da rede, mas a realidade no terreno é outra: as listas de espera aumentam, as famílias desesperam e muitos pais veem-se forçados a alterar radicalmente a sua vida profissional ou a recorrer a soluções improvisadas e injustas.

O Estado falhou em antecipar o problema. O crescimento populacional em algumas zonas do país, aliado à incapacidade de projetar e investir atempadamente, gerou um cenário de carência estrutural. Em vez de uma política séria, temos anúncios políticos que escondem a realidade: não há vagas suficientes, nem nas creches, nem junto das amas devidamente credenciadas. Pior: por falta de fiscalização, muitas situações irregulares continuam a existir, sem garantias mínimas de qualidade ou segurança.

Há relatos em todo o país de pais que passam madrugadas a preencher formulários, que são obrigados a percorrer dezenas de quilómetros para encontrar resposta ou que, simplesmente, recebem a resposta fria: “não há vaga”. E, quando há, muitas vezes surge a sensação de injustiça – de que pessoas que sabem contornar os mecanismos burocráticos conseguem lugar à frente de quem vive e trabalha há anos na comunidade.

O impacto desta falha vai muito além das famílias. A ausência de uma rede sólida de creches e amas limita o crescimento económico, trava a natalidade e força muitos jovens casais a adiar o projeto de ter filhos. Para as mães, em particular, significa frequentemente ter de abdicar da sua carreira ou reduzir horários, perpetuando desigualdades de género no mercado de trabalho.

Não se trata apenas de construir mais edifícios. É preciso planear, dotar as autarquias de meios, articular com as IPSS e criar verdadeiras parcerias que respondam às necessidades reais da população. A revisão das cartas educativas municipais deveria incluir de forma séria a componente da infância. A rede de amas, que noutros tempos desempenhou um papel essencial, está hoje quase esquecida, quando poderia ser parte da solução, se devidamente regulada, incentivada e fiscalizada.

As famílias portuguesas não podem continuar a viver nesta lotaria. A educação de infância não é um luxo nem um favor que o Estado concede: é um direito das crianças e uma necessidade das famílias. A creche não deve ser vista apenas como resposta social, mas como o primeiro degrau do percurso educativo, fundamental para o desenvolvimento das competências das nossas crianças.

Portugal não pode aceitar que milhares de famílias fiquem sem resposta, enquanto se continua a gastar milhões em políticas avulsas ou em publicidades. O futuro do país começa na infância, e é aí que temos de investir com seriedade.

Porque o que está em causa não são apenas vagas em creches. O que está em causa é o futuro de uma geração inteira.

Economista e deputado à Assembleia da República

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