A hora é de Illa, não de Puigdemont

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Quando entrevistei há dois anos Salvador Illa, de passagem por Lisboa, este só não era já o presidente do governo da Catalunha, a Generalitat, por a lógica de divisão entre espanholistas e independentistas continuar então mais forte do que a que tradicionalmente opõe esquerda e direita. 

À frente dos socialistas catalães, Illa venceu as eleições autonómicas de 2021, mas não teve qualquer hipótese de formar governo. Agora, este homem de 58 anos, nascido em Rocca del Vallès, formado em Filosofia e antigo ministro da Saúde de Espanha, finalmente governa, depois de nova vitória eleitoral.  E a sua aura de conciliador gera grandes expectativas tanto na Catalunha como no resto de Espanha, por representar a promessa de um certo regresso à normalidade depois de todos estes anos tensos desde o referendo ilegal de independência de 2017, promovido pelo próprio governo autonómico, presidido então por Carles Puigdemont. 

“Sim, de facto aspiro a voltar a ganhar nas próximas eleições e a fazer isso com suficiente apoio para poder governar. No princípio, gostaria de um governo solitário, ainda que seja um governo em minoria, mas solitário e não procurando coligações que reforcem o eixo ideológico”, respondeu-me na tal conversa de dezembro de 2022, no Palácio Palhavã. Realçou ainda ser, claro, a favor  das “políticas sociais-democratas, que têm vindo a ser muito reivindicadas desde o episódio da pandemia que vivemos e parece-me que vão a favor dos tempos. Essas políticas que querem instituições fortes, que apliquem umas políticas públicas que garantissem que ninguém fique para trás, mas que ao mesmo tempo não penalizem a geração de riqueza ou de prosperidade através dos mecanismos da economia de mercado”. 

Podemos dizer que Illa está a ser coerente com o que disse. Ele que já tinha conseguido aumentar, e muito, a votação socialista entre os catalães nas legislativas do ano passado (possibilitando a Pedro Sánchez formar nova maioria em Madrid, mesmo perdendo para os conservadores do PP), reforçou claramente a posição do PSC (irmão catalão do PSOE) nas recentes autonómicas e conseguiu quebrar a unidade entre os partidos independentistas. Agora, a Esquerda Republicana da Catalunha, a ERC, aceitou regressar à velha lógica da proximidade ideológica e viabilizar a tomada de posse de Illa, que está a formar um Executivo inclusivo do ponto de vista político. Quem não gostou foi o Junts, ou Juntos pela Catalunha, de Puigdemont, que continua a acreditar no sucesso do Procés, “Processo” em catalão, um eufemismo para luta pela independência.

Puigdemont continua com golpes de teatro, como entrar em Espanha, discursar e sair de novo, de volta ao exílio na Bélgica. Iludiu as autoridades, que continuam a considerá-lo um fugitivo, um dos raros independentistas a não se ter arrependido junto da justiça ou beneficiado da amnistia que o governo de Madrid fez aprovar, ainda que por culpa de juízes. É difícil perceber o que pretende verdadeiramente o político que gerou a mais grave crise institucional em Espanha desde o golpe militar falhado de 1981. Garante não desistir do objetivo de criar uma Catalunha independente, projeto que tem apoios, mas não os suficientes para ser bem-sucedido e muito menos da forma atribulada como foi tentado há sete anos. Ignorando o sentimento de metade, no mínimo, dos catalães, assustando os meios empresariais da região, criando uma reação espanholista e gerando o repúdio da UE, o Procés acabou por falhar. 

“Na Catalunha há um sentimento maioritário de querer pertencer a Espanha e à Europa. É verdade que há diferentes visões de Espanha, e eu defendo uma Espanha diversa e plural, que na sua diversidade e na sua pluralidade encontra não uma debilidade, mas uma força. Parece-me que na Catalunha há uma maioria ampla de cidadãos que partilha desta ideia de querer fazer parte de uma Espanha que não tenha inconveniente em reconhecer a personalidade própria da Catalunha, do País Basco ou da Galiza. E acho que é um número importante de cidadãos, a maioria, sem dúvida”, afirmou em 2022 o agora presidente catalão.

Que caminho seguirá Illa, que promete governar para todos? Continuará a exigir a Madrid privilégios financeiros para a Catalunha, a mais rica parte de Espanha? A sua ideia de Espanha unida na diversidade pode evoluir um dia para um projeto federalista? Limitar-se-á, para já, a governar, resolvendo os problemas imediatos da população? São muitas as incógnitas, mas é hora de se dar atenção a Illa, ao que diz e faz, e não a Puigdemont. 

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