A história económica na obra de Jorge Borges de Macedo

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A história económica tem, na obra de Jorge Borges de Macedo (JBM), um papel de precoce possibilitadora daquilo que o historiador definirá mais tarde como formalização concreta. JBM quis evitar uma história politicamente comprometida, fazendo essa opção de fundo com a sua opção inicial pela história económica.

Recorde-se que, nas primeiras décadas do século XX, a historiografia portuguesa estava muito marcada por leituras acentuadamente ideológicas. Encontram-se ecos dessa realidade nas referências de JBM, em A Situação Económica no Tempo de Pombal (1951), às divergentes leituras sobre a figura de Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal, prejudicadas, segundo ele, pela projeção no passado de preconceitos presentes e pela superficialidade da investigação.

Foi assim que JBM deitou por terra as velhas polémicas em torno de Pombal, apurando as causas próximas das suas medidas na circunstância histórica a que pertenceram, bem como a sua concreta possibilidade de implementação. A tentativa pombalina de centralização do poder aparece como esforço de tornar mais eficientes as embrionárias e casuísticas capacidades administrativa e militar da Coroa - e não como manifestação de um plano "iluminista" de reforma da sociedade. Interessou também ao autor identificar o grupo atuante que explica Pombal enquanto ator histórico destacado que não podia agir isolado até subir ao poder - e aqui apareceu uma futura linha de investigação sobre a identificação de "grupos" a que JBM voltará.

Sendo verdade que os instrumentos analíticos do marxismo tinham, na década de quarenta (em que JBM se formou), amplo prestígio nos meios intelectual e académico, estranho seria que o então jovem historiador lhes tivesse sido imune. Acontece, no entanto, que a sua intenção declarada de evitar resolver os problemas historiográficos através da "redução da sociedade a um esquema", levava-o a considerar que a «explicação concreta de uma sociedade só pode ser dada com razões também concretas, inscritas no próprio meio que só a sua análise permite encontrar» (prefácio de A Situação Económica).

Na investigação que desenvolveu para a sua tese de doutoramento, Problemas de História da Indústria Portuguesa no Século XVIII (1963), o historiador realizou em boa medida o trabalho que considerara ser território a desbravar pela investigação - por exemplo, sobre a verdadeira natureza do "surto manufatureiro" sob Pombal. Para esse redobrado esforço de apreensão dos "fatores concretizáveis", o historiador trouxe ao crivo da investigação, pela primeira vez, fontes cujo potencial não tinha ainda sido despistado (por exemplo, os registos do imposto da décima) e, de forma não menos inovadora, considerou também os condicionalismos geográficos (nomeadamente os custos de transporte) na análise da penetração das relações de mercado pelo território do reino.

Por outro lado, o nosso historiador questionava já a visão - de longínquas raízes e próspero futuro - que entre nós sempre insistiu em ligar a fraca industrialização fabril à inserção do País no mercado mundial. Neste sentido, também considerou que a eficácia dos arranjos mercantilistas e protecionistas deveria ser situada pelos historiadores nesse contexto, devendo-se a sua prioridade política mais a preocupações fiscais do que a engenhosos propósitos de "industrialização". A isto acrescia o facto de serem as ligações externas da economia portuguesa fundamentais para o seu próprio sustento e desenvolvimento - como eram os casos perenes do sal e das culturas vinícola e frutícola -, devendo os alegados efeitos perniciosos da "dependência externa" ser examinados com a devida ponderação da natureza recíproca das relações comerciais.

Em O Bloqueio Continental: Economia e Guerra Peninsular (1962), estes problemas foram trabalhados no período das invasões francesas e das guerras napoleónicas, propositadamente entrosados com as questões políticas e de alinhamento de Portugal no contexto da rivalidade entre as grandes potências: a complementaridade comercial desenvolvida com a Inglaterra (já patente na sua leitura do Tratado de Methuen, de 1703) e a importância da procura inglesa para as culturas de exportação da nossa agricultura impediam que se pudesse considerar, por mera questão de sobrevivência, o corte desses fluxos, como pretendiam os franceses. Aliás, a permanência massiva e desobediente desses fluxos sob a ocupação francesa do nosso território demonstrou o carácter vital daquela complementaridade comercial. E o papel do Brasil enquanto sustentáculo da nossa rendosa atividade atlântica só podia também manter-se na complementaridade comercial desenvolvida com o mercado inglês. Ora, estas realidades não podiam ser ignoradas pelos decisores políticos, fadando ao fracasso as ideias dos proponentes de um alinhamento com a França.

JBM colocou ainda a questão tecnológica no fulcro da reflexão sobre o atraso relativo da industrialização fabril portuguesa. Nos Problemas de História surge claro que é o salto tecnológico dado pela indústria inglesa no início do século XIX, mais do que as opções políticas domésticas, que colocaram o parque industrial português em perigo. O historiador voltará a explorar as potencialidades da questão tecnológica num ensaio de 1979 (A problemática tecnológica no processo da continuidade república - ditadura militar - Estado Novo), chamando atenção para o impacto do motor de explosão e da circulação rodoviária no século XX, mais uma vez querendo trazer à superfície "fatores concretizáveis" num período histórico para o qual superabundam esquemas ideológicos de leitura do passado.

O cuidado que JBM pôs na definição dos grupos atuantes na sociedade a partir do encontro de interesses concretos e verificáveis tornou os seus textos numa oportunidade de explicitação do seu método historiográfico, a que chamou apropriadamente formalização concreta, situando os dados transmitidos em tendências constantes (isto é, duradouras) e linhas de força (relações ou características gerais emergentes do conjunto de dados reunidos). Eis o seu ímpar contributo empírico e metodológico na elucidação da pertinência da história económica para a compreensão do passado.

Este artigo faz parte de uma série que o DN publica a propósito do centenário de Jorge Borges Macedo

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