A histeria da esquerda, em missão de desinformação

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E de repente sucedem-se os alertas para a “mudança de regime” que aí vem, dizem, com a “ampla maioria de direita” a “rever a Constituição” quase “a seu bel-prazer”. Num rápido zapping pelas televisões, o país está em vias de colapso, porque se fala em mexer na lei fundamental após 20 anos!

Filtrando (com dificuldade) os gritos histéricos, conclui-se que os argumentos sérios para estar contra a abertura de um processo de revisão constitucional nesta legislatura se resumem a dois: a) a questão não foi sufragada; b) a maioria de direita saída das eleições é historicamente tão distorcida do panorama político histórico da população, que o que se passou foi um fenómeno contextual - assumindo os defensores desta tese que a esquerda regressará ao seu papel ‘natural’, com o tempo.

O primeiro ponto rebate-se com um exemplo: a eutanásia. Avançou, e foi aprovada, no Parlamento, sem se colocar problema de legitimidade, porque estava no programa do BE (e continua parada porque esbarra no princípio constitucional do Direito à Vida, parte dos direitos liberdades e garantias (ler mais à frente). A revisão constitucional, que pode ser suscitada por qualquer deputado, esteve sempre no programa da IL.

Já o segundo ponto merece um pouco mais de tempo. Isto porque, a própria Constituição protege-se contra mudanças contextuais de regime - como aliás bem sabe quem anda para aí a gritar contra isso. Mas a única pessoa que ouvi, até hoje, dizê-lo publicamente foi Bacelar Gouveia - curiosamente, foi meu professor assistente na Faculdade de Direito de Lisboa nos idos anos de 1990...

Para quem não o ouviu: a nossa Lei Fundamental institui, no art.º 288.º, os “limites materiais à revisão” - ou seja, estabelece, ela própria, quais são as matérias que não podem ser revistas. Entre elas estão direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, os direitos dos trabalhadores e das suas comissões e sindicatos, a coexistência do setor público, do setor privado e do setor cooperativo e social de propriedade dos meios de produção, o pluralismo de expressão e organização política, incluindo partidos políticos, o direito de oposição democrática, a separação e a interdependência dos órgãos de soberania, a independência dos tribunais... Ah, a independência nacional e o facto de o país ser uma República! E não só - o elenco é enorme.

E ainda me lembro de Marcelo Rebelo de Sousa me explicar (nas poucas aulas teóricas a que assisti na faculdade), que a única forma de mexer nestas matérias é fazer uma dupla revisão: se o legislador quisesse, primeiro retiraria a proteção material (mexia no artigo 288.º) e numa revisão posterior - que não pode ocorrer antes de cinco anos - iria então mexer na norma que deixaria, assim, de estar protegida.

Desta forma, é igualmente mentira ser possível, numa simples revisão constitucional, inscrever já a possibilidade de pena de morte, como anda a dizer André Ventura. Esta proibição está nos referidos “limites materiais”.

Mas que a nossa esquerda atual e a direita radical usem as mesmas táticas de desinformação também já não é bem novidade, pois não?

Editor do Diário de Notícias

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