A Governação Aberta está em causa esta semana

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Entre 19 e 23 de maio, a Semana Mundial de Administração Aberta (Open Gov Week - OGW) volta a pôr em foco os pilares da Parceria para a Governação Aberta (OGP): transparência, prestação de contas, combate à corrupção, participação dos cidadãos e uso intensivo de tecnologias da informação. Em tempos de descrédito crescente, marcas de sucessivos casos de opacidade e de uma sociedade civil fragmentada, a OGP recupera o convite à colaboração entre governos e cidadãos, convencida de que só assim se reconstrói a confiança perdida.

Desde 2011, esta aliança engloba em todo o mundo 77 governos nacionais e mais de 150 autarquias, desafiando cada membro a cocriar Planos de Ação que vão desde portais de dados abertos a sistemas de denúncia anónima. Em cada dois anos, decisores e organizações da sociedade civil definem compromissos concretos, de modo a que a governação aberta deixe de ser uma mera retórica e se traduza em resultados mensuráveis.

O governo português aderiu à OGP em 2018 e constituiu a Rede Nacional de Administração Aberta (RNAA), dinamizada pela Agência para a Modernização Administrativa (AMA). A RNAA reúne sete entidades públicas e três representantes da sociedade civil, atuando como fórum multissetorial para a definição, execução e monitorização dos Planos de Ação Nacionais de Administração Aberta (PANAA).

A representação da sociedade civil não tem sido fácil, ao se confrontar com resistências notórias por parte de alguns organismos públicos, que insistem em argumentar que determinadas medidas propostas no âmbito da administração aberta estão fora dos seus planos e orçamentos, limitando assim a verdadeira cocriação e refletindo o fosso entre intenções e capacidades institucionais.

Este ano, sob o lema “Conheça o momento. Aumente a ambição. Aceite o desafio”, a Open Gov Week 2025 concentra-se em dez áreas estratégicas, tais como: acesso à informação; anticorrupção; espaço cívico; clima e ambiente; governação digital; abertura fiscal; género e inclusão; transparência judicial; liberdade de imprensa e participação pública. A pressão nunca foi tão grande, pois os discursos populistas radicais alimentam-se da falta de transparência e da sensação de abandono, prometendo soluções fáceis num cenário de crescente desconfiança.

Em Portugal a urgência é evidente. Um inquérito da OCDE aponta que apenas 32% dos portugueses confiam no Governo central, abaixo da média de 39% nos países da organização. O apoio a forças populistas e extremistas, expresso nas eleições do domingo, revela como o vácuo de credibilidade acaba por ser preenchido por narrativas de antagonismo.

Para inverter este ciclo, a OGP Internacional propõe iniciativas concretas durante a OGW, que vão desde hackathons cívicos a laboratórios de inovação em autarquias. O Município de Lisboa aderiu este ano a este movimento e vai realizar amanhã dois importantes eventos nesta área.

O grande teste consiste em passar dos relatórios anuais a impactos tangíveis. Reduzir prazos de resposta a pedidos de informação, aumentar o número de denúncias de corrupção efetivamente investigadas e disponibilizar dashboards públicos em tempo real, são exemplos de medidas que podem demonstrar o valor da governação aberta. A tecnologia será um poderoso aliado, mas só se for acompanhada de literacia digital e de acesso universal. Nesta OGW, será que vamos assistir a mais um festival de boas intenções ou a um ponto de viragem? Se os governos e os cidadãos aceitarem o desafio de ultrapassar as “vaidades institucionais” e se comprometerem com a transformação real de processos e de comportamentos, os 77 países da OGP e em particular Portugal, poderão dar um passo decisivo rumo a democracias mais transparentes, inclusivas e resilientes.

Especialista em governação eletrónica

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