A galinha e os ovos

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Num pequeno estudo divulgado por uma empresa do setor imobiliário (Idealista / Data), verificava-se que a taxa média de esforço das famílias ao satisfazerem encargos de crédito à habitação (peso da prestação da casa sobre os rendimentos médios da família) em Lisboa era neste momento de 101% do seu rendimento ou em Lagos de 150%. Outros concelhos algarvios, como Albufeira, Silves, Loulé ou Portimão, apresentavam valores semelhantes. Em Grândola, de 132% (Troia, Troia...). Em Cascais 114%, no Funchal 105%, na Nazaré 88%. Concelhos como Idanha-a-Nova, Moura ou Soure estavam nos lugares mais distantes destes valores, tal como a Guarda ou Vouzela (15%), no outro extremo da escala.

Parece ser impossível não encontrar uma relação muito direta entre o fulgor do turismo e o custo do imobiliário para habitação, já para não falar também da sua disponibilidade. Isso é assim em todo o mundo. E estão estes concelhos absolutamente destinados a serem pequenos parques de diversões, onde em breve os seus trabalhadores terão de dormir em camaratas improvisadas para continuarem a servir às mesas e a limpar as ruas?

Não se trata de todas as pessoas terem um direito natural garantido a comprar casa no Marais ou no Upper East Side. Trata-se de manter comunidades viáveis e não apenas centros comerciais para visitantes por três dias. Nova Iorque proibiu o Alojamento Local, cidades como Barcelona, Amesterdão ou Paris restringiram-no muito, tal como criaram mecanismos de compensação para investidores imobiliários, obrigando à criação de habitação permanente a troco de quartos de hotel e de alojamento turístico. Não são propriamente espaços alheios ao capitalismo... E não é a acicatar invejas de condomínio entre vizinhos que se resolvem questões de habitação.

Se é certo que a economia do turismo é fundamental e que a propriedade privada é um direito estrutural da nossa vida comum, é certo também que o custo da habitação está a ser diretamente responsável pela imigração de quadros, pelo aumento da desigualdade e pela conversão de territórios em meros refúgios vedados para ultrarricos, que curiosamente encontram hoje em Portugal aquilo que já encontravam nos anos 70: ainda um espaço disponível com mão-de-obra barata, bom clima, segurança e a poucas horas de centros europeus, indiferentes, como é natural, ao seu modelo de desenvolvimento e de colocação no mercado mundial.

E não se trata apenas de ter residentes a residir... Trata-se também de preservar, para o futuro e para as novas gerações, um território, características ambientais, uma comunidade e, até é muito, a sua atratividade e sentido para quem venha de fora.

Será que não se aprendeu nada com a urbanização do Algarve? Ou da Costa da Caparica? Deveríamos estar a demolir muito mais e a construir para turismo muito menos. Less is more, pelo menos quando não se é motivado pelo ganho a curto prazo. Não obstante Mies van der Rohe ganhar a vida a fazer casas, o princípio até fazia sentido.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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