A fuga dos médicos

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O resultado do Concurso para Formação Especializada dos Médicos mostrou, novamente, que a capacidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para atrair e reter jovens médicos está a diminuir. Mais de 570 internos escolheram não seguir para a especialidade no SNS, sendo que Medicina Geral e Familiar (de onde resultam os médicos de família, que 1,7 milhões portugueses não têm) e Medicina Interna (fundamental para o funcionamento dos Serviços de Urgência) foram as áreas em que mais vagas ficaram por preencher (na ordem dos 30%).

Estes jovens, que saltam fora do serviço público, têm agora dois caminhos possíveis: ou saem do país para fazerem a especialidade no estrangeiro (também é possível fazê-lo no setor privado em Portugal, mas as vagas são residuais) ou iniciam atividade profissional como médicos indiferenciados, os célebres tarefeiros, prestando serviço tanto no SNS, como em privados, auferindo mais dinheiro do que os colegas que seguiram o percurso formativo - algo que não é apenas uma nota de rodapé, pois ter maior capacidade financeira numa altura da vida em que se procura a independência é, obviamente, relevante.

 
Este divórcio precoce com o SNS também se explica com a deterioração das condições de trabalho. Em novembro, foi divulgado o Inquérito de Satisfação com o Internato Médico de 2023, promovido pela Ordem dos Médicos. Para elaborar o relatório, foram enviados e-mails a todos os médicos internos que se encontravam entre o 2.º e o 6.º ano da especialidade. A confidencialidade era garantida e 1561 jovens médicos responderam.

As conclusões deviam fazer soar alarmes sobre o ambiente que se vive hoje nas unidades hospitalares. A maior insatisfação dos internos diz respeito à ausência no horário laboral de tempo protegido para o estudo autónomo, o que, traduzindo, significa que o jovem médico “é forçado a ocupar o seu tempo livre para tarefas como elaboração de trabalhos científicos ou preparação para avaliações”.

Além disso, fazem uma avaliação negativa sobre o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal. O diagnóstico patente no estudo é que essa perceção pode “influenciar diretamente a escolha de especialidade por recém-graduados, a desistência da formação especializada e a incapacidade de retenção de recém-especialistas” - exatamente o que mostrou o concurso acima mencionado.

E, depois, registe-se este número: 36% dos inquiridos - mais de um terço - admitem que, se pudessem voltar atrás, não teriam escolhido o Curso de Medicina. Admitir isto quando já se concluiu o curso e já se frequenta a fase de especialidade é a maior evidência do grau de exaustão e pressão a que os jovens médicos estão sujeitos no início da carreira.

Desengane-se quem ache que esta mensagem de desilusão não chega às gerações ainda mais jovens. Aos futuros estudantes de Medicina, os futuros internos, os futuros especialistas e formadores, os futuros médicos de família e futuros homens e mulheres que todos os dias salvam vidas. E que, por este caminho, o país arrisca não ter.

Editor-executivo do Diário de Notícias

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