A França resiste: sete anos depois do 13 de novembro de 2015

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"É agora. Eu amo-te. Adeus." Estas foram as palavras de Katie para o seu namorado David durante a tragédia no Le Bataclan, em Paris, do dia 13 de novembro de 2015(13/11). Neste dia, o jovem casal tinha planeado assistir ao concerto da banda Eagles of Death Metal naquela sala de espetáculos. "Uma escapadinha romântica para assinalar o aniversário dela, semanas antes", conta David. Nada podia prever o que viveriam naquela fatídica noite. Vinte e três segundos de terror, pautados pelo som de armas Kalashnikov, seguidos de repetições ensurdecedoras, durante cerca de 15 minutos, que pareciam intermináveis e se confundiam com gritos de pânico, medo e confusão. Deitaram-se no chão e rastejaram entre o sangue dos inocentes que viram cair e morrer a seu lado. A tentativa de fuga e a necessidade de proteção precipitou o que se temia: ele foi atingido no pé. Katie, com David nos braços, praticamente em síncope, arrastou-o para um local seguro, fora da sala. Ambos escaparam à morte, mas o trauma e as lágrimas permanecem. Morreram 90 pessoas no Bataclan.

Esta é uma das histórias do documentário da BBC Newsnight (2015), que retrata os momentos de pânico de seis testemunhas da carnificina. Naquela noite, a França assistiu a um dos maiores ataques terroristas da sua história: perpetrado em diversos locais da capital, 130 pessoas morreram, entre as quais os portugueses Manuel Dias e Precília Correia, e 368 ficaram feridas às mãos do Daesh. Depois do ataque terrorista em Madrid de 11 de março de 2004, executado por membros com ligações à al-Qaeda e que vitimou 191 pessoas, o 13/11 é o segundo atentado islamista mais mortífero na União Europeia (UE).

É vital assinalar esta data. Primeiro, porque é um sinal de respeito e dignidade para com as vítimas, muitas vezes negligenciadas. Tal como reconhecido pelas Nações Unidas, que presta homenagem anual desde 2018 com o Dia Internacional em Memória e Homenagem às Vítimas do Terrorismo (a 21 agosto), a voz dos sobreviventes é central para honrar os falecidos, proteger os direitos humanos, avaliar desafios no âmbito da prevenção da ameaça e repensar prioridades. Os inocentes que morreram às mãos da crueldade ideológica nunca devem ser esquecidos. Segundo, porque é uma oportunidade política para o Estado condenar veementemente as ações violentas bem como reafirmar o compromisso com os valores democráticos na prevenção e combate à ameaça.

Sete anos depois, como resiste a França? As sucessivas tentativas de ataque contra o país, aliás desde o início do milénio, tais como o risco de ataque químico (2002) ou de possíveis ataques bombistas na Torre Eiffel e Notre Dame (2010), demonstram que a perigosidade da ameaça jihadista permanece até hoje. O 13 de novembro de 2015 foi um gatilho para a implementação de reformas legislativas abrangentes, mas o cenário mantém-se complexo e a perceção governamental sobre a ameaça jihadista inalterada. A França continua a registar um nível de alerta elevado. As causas são variadas: problemas socioeconómicos; crescimento dos populismos e radicalismos; retorno de combatentes terroristas estrangeiros; tensões religiosas; passado colonial; participação em conflitos externos e política externa percecionada como agressiva. De acordo com a Europol, em 2021 a França foi o estado-membro da UE com maior número de detenções jihadistas e foi alvo de mais um ataque em abril. Foram ainda frustrados três ataques.

A França resiste. Há movimentos de resistência à islamofobia, há sinais de pluralismo, de abertura e medidas de prevenção em prática. O ano de 2022 marca uma nova etapa: decorre o julgamento de 20 homens acusados de participar nos atentados de Paris, onde já se ouviram mais de 100 testemunhas. Muitos sobreviventes criaram laços de amizade e entreajuda. É importante notar que o contraterrorismo envolve diversas áreas, desde a intelligence, à investigação criminal, passando pela justiça, mas também pela sociedade civil: é importante não esquecer as atrocidades, combater os estereótipos (ex. um muçulmano não é um terrorista), e resolver conflitos e tensões sociais, fatores de vulnerabilidade à radicalização potencialmente conducente ao terrorismo.

A memória do 13 de novembro serve também para honrar todos os que, todos os que diariamente, trabalham pela nossa proteção e segurança. As falhas existem, mas não há risco zero. Nenhum país é imune ao terrorismo e não é possível fazer face à ameaça de forma unilateral. A partilha de informações, a cooperação internacional e interoperacional são instrumentos recorrentes das autoridades, sendo essenciais na contenção da ameaça. Continuar a apostar no multilateralismo, e em respostas baseadas em medidas criminais e militares, que respeitem os princípios do direito internacional, são armas cruciais para minimizar o risco. Pela proteção de todos.

Joana Araújo Lopes é estudante de doutoramento em "História, Estudos de Segurança e Defesa" no ISCTE. Investigadora em terrorismo e contraterrorismo.

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