A França a pedir clarificação. Os portugueses de França também

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A extrema-direita francesa já ganhou as eleições e não apenas hoje, mas, pelo menos desde 2018, em que, a começar pelos coletes amarelos, a França tem vivido ondas de manifestações e distúrbios que soaram como avisos para uma classe dirigente, em muito, com os olhos e os ouvidos tapados. Quanto à boca, desligada da vida real, continuou a produzir um discurso que aumentou ainda mais a verdadeira fratura que a sociedade francesa vive desde o início deste século.

E assim, os extremos, com destaque para a extrema-direita, foram aproveitando o descontentamento temático, geográfico, geracional, aumentando o número de eleitores com uma normalização conseguida, para agora aparecerem como a solução, tanto social como económica. Enfraquecidos, os partidos ditos republicanos, forças habituais que atraíam os centros e, assim, governavam a França numa alternância regular, procuraram sobreviver ideologicamente depois da eleição de Emmanuel Macron que, numa postura de “nem de direita, nem de esquerda”, dinamitou esse bipolarismo.

Hoje, num jogo de poker com uma mão bem fraca, o presidente que muita esperança nutriu, tentou um último apelo ao arco republicano para se mobilizar contra a extrema-direita que ele, como outros presidentes franceses antes, acabou para ajudar a fortalecer.

Com ou sem maioria absoluta, nesta hora difícil de ser alcançada pelo Reunião Nacional, logicamente o presidente deverá propor ao partido mais votado apresentar uma equipa e um programa. A extrema-direita, sem maioria absoluta, não aceitará o convite, convicta de que seria mais difícil ainda chegar a um resultado político visível e positivo antes das Eleições Presidenciais de 2027, verdadeiro alvo da extrema-direita francesa. Os outros partidos, como a Nova Frente Popular, união muito pragmática das esquerdas, como segunda força no Parlamento francês, o Renaissance, o partido enfraquecido do presidente Macron, e Les Républicains, a direita republicana, alavanca dos presidentes Chirac e Sarkozy, atomizada pela dissensões e o fim do estancamento da extrema-direita, dificilmente poderão associar-se num Governo de “salvação nacional” que os obrigaria a uma mesa partilhada com a extrema-esquerda de Jean-Luc Mélenchon (LFI) e a direita conservadora, sem chefia nesta altura, mas cujo eleitorado restante não perdoaria uma união tão contrária.

O presidente, que não quer demitir-se, pode assim esperar, num desequilíbrio e numa incerteza que a França, a poucos dias do início dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, vai pagar caro, que diferentes hipóteses se instalem. Uma delas, o acordo entre a Reunião Nacional e uma parte dos deputados mais conservadores prestes a caucionar medidas consideradas prioritárias, como a imigração e a segurança, e assim viabilizar um Governo, em tudo de transição, submetido aos pareceres do Conselho Constitucional, juiz supremo que Marine Le Pen, à imagem do seu modelo húngaro, muito quererá enfraquecer, e à atitude de Emmanuel Macron, que bem conhece os poderes de uma Constituição presidencialista.

Enfraquecida, interna e externamente, a França, país fantástico, continua a avançar como uma equipa de futebol repleta de jogadores fantásticos que vão passando as etapas sem marcar golos, até que…

Quantos aos portugueses de França, que não votam, e aos franceses de origem portuguesa, entre eles os que responderam ao apelo da extrema-direita, estão reféns desta instabilidade, a começar pelos binacionais que, já presentes a todos os níveis de decisões aguardam clarificação por parte dos que, como programa, abusam das soluções fáceis, milagrosas e gratuitas. Mas quando é gratuito, alguém tem de pagar à mesma.

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