A força motriz da História
Uma das vantagens que advêm do facto de sermos um jornal com 160 anos de História é o facto de mais facilmente nos podermos recordar de como muitas coisas que damos como adquiridas são, na verdade, efémeras, incluindo as datas fundadoras e outros momentos emblemáticos que cada regime político pretende assinalar. Por exemplo, hoje poucos se recordam que os dias 29 de abril e 24 de julho já foram feriados nacionais muito importantes, ou que durante duas décadas o país parava a 19 de outubro para assinalar a morte do rei Dom Luís. O dia 3 de maio (aniversário da descoberta do Brasil) há muito que deixou de ser comemorado com um feriado oficial, tal como o 31 de janeiro, que celebrava os caídos na revolta republicana de 1891. E, claro, o 28 de maio também chegou a ser feriado durante o Estado Novo, de forma ocasional. Em Portugal e no mundo, cada regime tem os seus heróis e datas fundadoras, que frequentemente não sobrevivem ao sistema seguinte.
O Parlamento acolheu ontem as comemorações do 25 de Novembro, dia decisivo para a consolidação da democracia que hoje temos em Portugal. O facto de esta data ser comemorada pela primeira vez em 49 anos explica-se, obviamente, com o facto de, durante quase cinco décadas, a esquerda ter aquilo que se poderia apelidar de maioria sociológica em Portugal. Mas a ascensão do Chega e a perda de importância do Bloco e do PCP possibilitaram que, 50 anos volvidos, a importância do 25 de Novembro fosse reconhecida pelos órgãos de soberania. Resta saber, porém, até que ponto esta discussão a que temos assistido nos últimos dias tem relevância para a maioria da população, que olha para o assunto com a mesma indiferença ou desconhecimento que a geração de 1974, que fez a Revolução de Abril e (quase) se digladiou no 25 de Novembro, olhava na altura para o 5 de Outubro.
Estamos num tempo de viragem na Europa e no mundo. A 25 de novembro de 2024, a força motriz da História não parece ser a luta de classes ou o debate em torno da propriedade dos meios de produção, mas sim as questões identitárias. Diria mesmo que o grande desafio que Portugal tem pela frente talvez seja definir uma identidade coletiva a partir da qual possamos traçar o rumo dos próximos 50 anos.
Afinal, o que que significa ser português, em 2024? Em que assenta a nossa identidade enquanto povo? Na língua, na cultura, nas origens étnicas ou nos valores?
Cada um de nós terá a sua resposta para esta questão. Para o autor destas linhas, ser-se português é ser-se cidadão do mundo. É assumir-se herdeiro de um legado que tem aspetos positivos e negativos, mas sobre o qual devemos estar em paz connosco próprios. É ter orgulho nas coisas boas que soubemos fazer, enquanto povo, e valorizar aquilo que o nosso país tem de positivo. É construir um país para todos, onde as diferenças não sejam barreiras, mas sim características que enriqueçam a nossa sociedade. É saber acolher - com critério e sabedoria - aqueles que aqui chegam para começarem uma nova vida e nos ajudarem a construir o que significará ser-se português amanhã.
Diretor do Diário de Notícias