A falta de integração digital e de técnicos coloca o SNS em risco
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) enfrenta uma crise sem precedentes. Apesar dos esforços de digitalização nos últimos anos, a falta de interoperabilidade compromete a sua eficiência. A própria Ministra da Saúde admitiu recentemente no Parlamento que não dispõe de dados adequados para uma gestão eficaz.
O Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), criado em 2004, visando reduzir listas de espera para cirurgias programadas, representou, na altura, um avanço na interoperabilidade entre os sistemas hospitalares públicos, no entanto, a falta de apoio político para a continuidade e desenvolvimento deste sistema, as crises económicas e a fragmentação dos sistemas de informação noutras áreas da Saúde, limitaram o seu impacto.
Apesar dos esforços dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), a falta de interoperabilidade e integração entre os sistemas de hospitais, centros de saúde e setor privado está a prejudicar a eficiência do SNS. Mais de metade do tempo das consultas dos médicos de família é desperdiçado com burocracia, em vez de ser dedicado ao cuidado dos utentes.
O Plano de Emergência da Saúde do atual Governo e o relatório do Conselho Nacional de Saúde destacam a necessidade de um sistema de informação mais integrado. No entanto, a interoperabilidade não pode ser apenas um objetivo retórico, mas sim um pilar fundamental para um Sistema de Saúde eficiente. A falta de um cockpit digital para a área da Saúde impede decisões informadas sobre alocação de recursos, tempos de espera e capacidade hospitalar.
Sem um repositório central de Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT), os profissionais de saúde continuam a depender de múltiplos sistemas e documentos em papel, cujas transcrições tornam os processos mais lentos e sujeitos a falhas. Exames realizados em clínicas privadas ainda não são automaticamente integrados no dossier clínico dos utentes do SNS, o que dificulta a continuidade dos cuidados de saúde e perpetua a dependência dos utentes em relação aos prestadores privados.
Continuamos à espera da implementação efetiva do Registo de Saúde Eletrónico (RSE), capaz de garantir um registo seguro e transparente de dados entre utentes e profissionais de saúde. Algumas iniciativas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) abordam a interoperabilidade de dados administrativos, mas são insuficientes sem a integração da informação clínica.
O SNS deve investir numa transformação digital que vá muito além dos casos de sucesso da gestão de agendas e das receitas eletrónicas. Precisamos de mais integração entre os vários sistemas de informação clínica, que se foram desenvolvendo e adquirindo no mercado, de forma desgovernada ao longo dos anos, incluindo os MCDT e outros atos médicos essenciais.
A atual escassez de recursos humanos agrava ainda mais a situação do SNS, por isso é preciso criar um ambiente técnico e operacional mais atrativo para os profissionais de saúde, apostando em tecnologias inovadoras e interoperabilidade. A sobrecarga burocrática e a falta de equipamentos modernos afastam os médicos e os enfermeiros para o setor privado ou para o estrangeiro.
A interoperabilidade não é apenas uma questão de eficiência, mas também de segurança e qualidade dos cuidados de saúde. Sem um repositório centralizado dos MCDT, um Registo de Saúde Eletrónico eficaz e normas de interoperabilidade bem definidas, o SNS continuará a reagir a crises em vez de as antecipar.
Se queremos um SNS eficiente, centrado no utente, mais desenvolvido e focado na saúde preventiva, é essencial acelerar a interoperabilidade, modernizar as infraestruturas digitais e criar condições para atrair e reter profissionais de saúde.
Especialista em governação eletrónica