Quando Brian, todo nu, assoma à janela só para respirar um pouco após uma noite bem passada, vê-se confrontado com a multidão que o espera, nas ruas, convencida de que ele é o Messias. Recolhe, em pânico, veste a túnica e, tentando ver-se livre da mole, o pobre rapaz discursa de improviso:.“Olhem, vocês perceberam tudo mal. Vocês não precisam de me seguir. Não precisam de seguir NINGUÉM! Vocês têm de pensar por vós próprios. Vocês são todos indivíduos!”“Sim, somos todos indivíduos!”, grita o povo em uníssono.“Vocês são todos diferentes!”, tenta de novo Brian, em desespero.“Sim, somos todos diferentes!”, responde a audiência a uma só voz.Exceto um: “Eu não sou...”.Este excerto do magnífico - e hoje impossível de fazer - filme dos Monty Python A Vida de Brian, citado vezes sem conta desde que o filme se estreou em 1979, ilustra na perfeição o comportamento humano das massas, mas também a forma como o indivíduo pode ser condicionado a pensar pela sociedade e pelo sistema educativo. Nesta caricatura, não é por acaso que está lá uma personagem que diz: “Eu não sou...” Alem da gargalhada que arranca, esta figura é o resultado final de um sistema de ensino que - já Einstein dizia no final do séc. XIX - tende a estar estruturado para retirar o pensamento crítico e a gerar uma “normalização” nas regras de pensamento..Hoje, esta passagem de Brian continua tão atual quanto em 1979 - em certos pontos, até mais do que se poderia pensar: relativamente à extrema-esquerda, tanto a ortodoxa como a antidemocrática, já abordámos o assunto a semana passada - houve mais casos esta semana, que apenas reforçaram o que aqui foi dito. Mas o mais curioso da atualidade daquela cena dos Monty Python é como ela se aplica tanto à extrema-direita (possivelmente o alvo, quando foi feita) - e falaremos em breve deste problema - como, em especial hoje em dia, à esquerda, particularmente ao socialismo, esse parente mais dócil, porque menos mortífero, do comunismo..Ao contrário dos seus “primos”, os socialistas são mais pragmáticos: não acreditam que a sua ideologia é um fim em si mesmo e que a dialética histórica irá inevitavelmente desaguar naquele modelo “de perfeição”. Acham, isso sim, que têm a receita para uma sociedade mais “justa” e “equitativa” - confundindo permanentemente os dois conceitos - e, como tal, precisam de ter o poder para o tentar. Demore o tempo que demorar....Desde logo, a distinção entre “justiça” e “equidade” é algo que já preocupava os gregos da Antiguidade. Os socialistas tendem a achar que o assunto ficou bem resolvido na Revolução Francesa - fazendo por esquecer, convenientemente para eles, o período do Terror de Robespierre, etc. - sendo algo tão complexo que não há aqui espaço para sequer aflorar. Certo é que são coisas muito diferentes, ao contrário do que normalmente se entende..Depois, há o problema de como pagar as “redistribuições” e os “serviços públicos” necessários para a criação dessa tal sociedade “equitativa” que os socialistas imaginam..Ao longo da segunda metade do século XX, o resultado foi sociedades falidas ou em grandes dificuldades económicas. É falacioso referir os exemplos habitualmente dados dos países do norte da Europa, onde alguns destes modelos parecem ter funcionado: são nações extremamente liberais, com enorme iniciativa privada, que passaram imensas dificuldades nos Anos 60 para conseguir começar a florescer do final dos Anos 70 em diante. Em comum têm Sistemas Educativos excelentes (função básica do Estado, como a Defesa e o assegurar a Saúde), uma baixa corrupção e uma constante oscilação democrática de poder entre uma maior “social-democracia” e um maior “conservadorismo”..Curiosamente - ou não - o país mais à esquerda dos “nórdicos”, a Dinamarca, é aquele que fica sempre mais atrás nos indicadores de crescimento....Como dupla forma de melhor controlar a sociedade e arranjar dinheiro, os socialistas do final do séc. XX inventaram a “regulação”, esse mecanismo mágico que, na sua cabeça, tudo resolve: faz-se umas normas e a sociedade há de conformar-se. (Depois, mesmo que ninguém fiscalize, não interessa nada, como é useiro e vezeiro em Portugal, só para dar um exemplo...).Quem também adora esta lógica são os burocratas da Administração Pública - e ao longo do séc. XXI a própria União Europeia, encheu-se de regras para tudo e mais alguma coisa, ao ponto de praticamente ter impossibilitado a inovação. Tanto que caímos no crescimento para números anémicos, comparativamente com os EUA, e não fazemos ideia de como recuperar....Os socialistas querem mesmo regular tudo. Aliás, António Costa, então PM e líder do PS, até um dia afirmou: “Não há nenhuma atividade humana que não possa ser regulada.” Curiosamente, esta assustadora afirmação passou tão incólume que nem hoje se encontra, numa pesquisa na internet. Mas eu sei que a ouvi..Um dos exemplos mais preocupantes é a regulação do “discurso de ódio” e das redes sociais, que é, na prática, a criação de uma nova censura, qual novo fascismo (e nesse aspeto, dado o trauma do Estado Novo, o PCP por uma vez está do lado certo)..Com tanta norma, sempre de enorme complexidade, para tentar prever todas as situações do dia a dia - os socialistas metem o Estado (o Governo) em todo o lado, na atividade económica, no discurso e, até no pensamento....A cena de Brian, em que o povo grita a uma só voz “Sim, somos todos indivíduos”, para um socialista, é o sonho de uma sociedade perfeita. Provavelmente, nem percebe a ironia da coisa..Editor do Diário de Notícias