O que têm em comum o racismo contra uma ativista negra no Instagram, a morte em direto de um streamer francês e um grupo do Facebook onde homens partilhavam pornografia não consensual com imagens das esposas? São três exemplos que nos chegaram nesta última semana da decadência moral de uma sociedade que transformou a violência em espetáculo e o abuso em entretenimento. Em todas elas, esse grande chão comum: uma cultura digital cada vez mais tóxica e inovação tecnológica mal regulada.Em Itália, mais de 31 mil homens mantinham ativo há sete anos um grupo de Facebook denominado "Mia Moglie" (em português, "A Minha Esposa"), onde partilhavam fotografias de mulheres em momentos de intimidade, captadas sem o seu conhecimento ou consentimento. O grupo foi encerrado agora, depois de uma denúncia efetuada por uma escritora ter gerado uma onda de choque e levado a Meta, empresa-mãe do Facebook, a finalmente atuar invocando a violação flagrante das normas da rede social.De França chegou a polémica provocada pela morte do streamer francês Raphaël Graven, conhecido como Jean Pormanove, durante uma transmissão em direto na plataforma de streaming Kick. Graven, de 46 anos, com meio milhão de seguidores nos seus vários canais, ganhava a vida graças a um fenómeno conhecido por “trash streaming”: sujeitava-se a uma série de humilhações em direto, que podiam incluir agressões físicas, alimentadas pela curiosidade e dinheiro sórdidos dos seus seguidores. Morreu durante uma transmissão ao vivo de 298 horas, na qual arrecadou 36 mil euros. Aparentemente a morte deveu-se a causas não diretamente relacionadas com as agressões, segundo a autópsia preliminar, mas despertou consciências para a mercantilização da autodestruição e da humilhação nas redes sociais.Em Espanha, conta o El País que uma enfermeira negra, ativista, foi durante meses alvo de insultos e ameaças online por perfis anónimos com simbologia de extrema-direita, com expressões nada originais como “macaco”, “Escória”, “Volta para a selva” ou “quando a ultra direita governar ides de volta nos insufláveis em que vieram”. Três anos depois, um tribunal identificou e condenou um homem de 40 anos, por ameaças e incitamento ao ódio, num processo com algumas semelhanças àquele que, em Portugal, levou à condenação do neonazi Mário Machado. Quem passar meia hora que seja numa rede social sabe que estes não são casos raros. Pelo contrário. Uma parte cada vez significativa do ecossistema digital é feito disto: insultos, ódio, violência. Por vezes, surge um sinal de esperança, como as recentes ondas espontâneas de solidariedade pelas vítimas dos incêndios. Infelizmente, são exceções. O grande poder amplificador destas plataformas torna-as hoje, sobretudo, um gigante mercado do abjeto em que quanto mais extremo e degradante o conteúdo, maior o “engajamento” - a receita mágica do negócio. É uma espécie de falência moral coletiva em curso, transmitida em streaming.