A Europa precisa de um outro tipo de diplomacia
Muitos dirigentes europeus não conseguem colocar a lei internacional acima das suas preocupações eleitoralistas. É o comportamento típico dos oportunistas em política, quando o carreirismo conta mais do que os valores éticos e o bem comum. Não tomam as medidas que se impõem por terem medo das consequências que daí possam resultar em termos de votos. A democracia, quando encarada numa lógica calculista, torna-se inibidora da coragem política.
Temos líderes que não querem que se perceba que, em várias partes do mundo, estamos perante o inaceitável. A agressão russa contra a Ucrânia é inadmissível, totalmente injustificável. Os massacres levados a cabo pelas tropas israelitas em Gaza e por um bom número de colonos judeus extremistas que ocupam ilegalmente a Cisjordânia, o bloqueio desumano imposto aos palestinianos, que são privados dos bens essenciais à sua sobrevivência, tudo isso infringe praticamente todos os artigos e alíneas que definem os crimes de guerra e as práticas de genocídio.
O que passa no Haiti, no Sahel, no Sudão, na fronteira entre o Congo/RDC e o Ruanda, no Afeganistão no que respeita aos direitos das mulheres e das raparigas, ou em Myanmar, para sublinhar apenas os casos mais noticiados, é simplesmente atroz. E não menciono as violações recorrentes dos tratados internacionais, que Donald Trump ignora e desrespeita com letra grossa, pompa e circunstância. Cada rabisco seu é uma nódoa que mancha as normas internacionais construídas desde 1945.
A União Europeia tem de compreender que o silêncio perante esses crimes acarreta um enorme impacto negativo sobre a representação moral e o peso geopolítico da Europa. Essas situações abomináveis não podem deixar espaço para hesitações, para o receio de perder o conforto das nossas vidas e os votos de cidadãos que se habituaram ao que chamo “uma sociedade de cruzeiros”, de viagens exóticas e de feriados repetidos ao longo do ano. Uma sociedade indiferente e individualista. A paz e a ética, em política, têm um preço económico e social elevado. É preciso saber explicar esse preço a quem pensa que a guerra, os conflitos violentos, as sabotagens paralisantes, a criminalidade dos gangs, que tudo isso só acontece lá longe, na casa dos outros. Para ajudar a compreender, veja-se o que já está a acontecer em França, em termos de violência social, de bandos armados de metralhadoras, de tráfico de drogas, de destruição de redes elétricas, de racismo de todo o tipo.
Começando pela vizinhança mais próxima, pela Rússia e Israel, a política europeia tem de considerar as derivas agressivas e os crimes cometidos por esses Estados como ameaças muito sérias. Os seus líderes devem ser vistos como inimigos da nossa estabilidade e segurança. Devem ser tratados como tais. Para além da aplicação de um regime apertado e efetivo de sanções, é fundamental reduzir drasticamente as relações diplomáticas com esses Estados. Restringir a sua presença diplomática em território europeu significa reduzir as oportunidades de espionagem, de operações ilegais, de financiamento dos grupos nacionais que atuam em seu nome. Transmite igualmente uma mensagem política inequívoca.
Isto não quer dizer que não se deva procurar o diálogo. Porém, as negociações devem prosseguir objetivos estratégicos claros, respeitadores das regras de uma mediação honesta, que vise a paz e não o engano.
Entretanto, a acreditação de diplomatas e de outros funcionários das embaixadas e delegações da Rússia e de Israel presentes na Europa deve ser limitada a um número ínfimo. As suas deslocações no espaço europeu, oficiais ou privadas, devem ser circunscritas às capitais e a um raio de movimentação bastante restrito, sujeito à obtenção de autorizações prévias, e a uma vigilância apertada.
Existe timidez na Europa quando se fala destas coisas. Tem-se sobretudo medo do que possa ser a reação de Donald Trump. Não se compreende bem esse temor, quando se sabe que, de uma forma ou de outra, pouco se poderá esperar da Administração que hoje mais não faz do que baralhar as relações internacionais.
Para nós, olhar em frente significa procurar consolidar a unidade e a cooperação entre os membros da UE, aprofundar o relacionamento com o Canadá e alguns países da América Latina, de África, da Ásia e do Pacífico. Com regimes democráticos. Para isso, a imagem que se deve projetar não pode ser acusada de se guiar por dois pesos e duas medidas. A força da Europa não é meramente económica. Devemos ser um exemplo em matéria de respeito pela letra e o espírito das normas aprovadas no quadro das Nações Unidas. Nesse sentido, seria uma ideia a equacionar trazer para a Europa as sedes das agências e programas multilaterais que, por razões financeiras e políticas, tenham de sair de Nova Iorque ou de Washington. O futuro também se constrói assim, com pedra e cal, com instituições que defendem a lei internacional e a dignidade das pessoas.
Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU