Joe Biden passou a semana passada a procurar relançar a aliança ocidental. Começou por visitar o Reino Unido, reuniu-se com os sete grandes da economia e da democracia global, com os aliados militares da NATO, e depois com a União Europeia. E então, sim, com Putin, que tratou como um líder de uma potência. O que, ambos sabem, a Rússia já não é. Pelo menos como já foi. Mas num cenário em que a maior preocupação dos americanos é a China, controlar os russos, mantendo-os satisfeitos pela relevância e dentro de limites aceitáveis, ou pelo menos previsíveis, pode ser o melhor possível para uns e outros..A tentativa de apaziguamento e estabelecimento de regras e previsibilidade na relação com a Rússia é essencialmente instrumental. Verdadeiramente importante é a China. Para os americanos, não para os europeus. Pelo menos pelo que dizem os seus líderes..Em 2019, a União Europeia considerou, pela primeira vez, que a China é um parceiro em alguns temas, um concorrente económico na busca pela liderança tecnológica, e um rival sistémico na promoção de modelos alternativos de governação. Foi uma formulação dura, e o documento que declarou esta visão pareceria ter estabelecido a doutrina europeia na relação com a China. Uma doutrina em que avultava uma preocupação com o papel de Pequim no mundo, em geral, e o seu impacto na UE, em particular..Na mesma linha, o comunicado final da reunião da NATO, da semana passada, declarou que as ambições assumidas da China e o seu comportamento representam um desafio sistémico à ordem global e a áreas relevantes para a segurança da Aliança. Os líderes europeus, porém, não falaram da mesma maneira no fim da reunião..Enquanto Biden convenceu os parceiros a incluir a China entre as ameaças relevantes para a Aliança Atlântica, Merkel explicava que a China estava lá longe, no Indo-Pacífico, e só era mencionada ali porque esse também era um oceano dos americanos. Como que dizendo que isso é um problema lá deles. Já Macron pediu que não nos equivocássemos. Para o presidente francês, o nosso problema é Rússia, não é a China. E ambos deixaram claro que há vida para lá desta tensão. Nomeadamente interesses económicos e comerciais..Apesar do que a União Europeia escreveu há três anos, e da declaração constante do comunicado final da NATO, alemães e franceses parecem pouco convictos quanto à ameaça que a China representará. Quanto à Rússia, apesar do que dizem, a posição é, também, no mínimo, inconsistente..Joseph Borrell, o chefe da diplomacia europeia, apresentou por estes dias um documento sobre as relações com a Rússia. Aquilo que ressalta não é a definição da Rússia como o tal grande adversário, como dizia Macron, ou como sendo sobretudo um problema dos europeus, como acreditam os americanos. O que se destaca é que nem sequer o Nordstream aparece como um desafio à segurança regional. Não porque não seja, mas porque a Alemanha tem um interesse económico e estratégico naquele gasoduto. Manifestamente oposto aos interesses de outros europeus, a começar pelos bálticos..O que tudo isto nos diz é que os europeus não têm uma visão comum do que sejam os seus interesses e do que os ameaça, e não partilham da leitura geopolítica dos seus principais aliados, os americanos. Mas também não apresentam uma visão alternativa, autónoma, como por cá se diz, que seja consistente..A Europa não se entende internamente nem entende o mundo à sua volta. É declaratória nos princípios, mercantilista nas escolhas e inconsistente em tudo. Dificilmente será levada a sério, assim..Consultor em assuntos europeus