A Europa, face ao G7 dos tímidos e dos incongruentes
Não sei se os grandes deste mundo leram Leo Tolstoy, o autor do romance Guerra e Paz, que dizia, sarcástico e em sentido figurado, que os políticos consideram que os lobos devem ser alimentados e, simultaneamente, que é preciso manter as ovelhas em segurança. Os líderes do G7, que esta semana se reuniram no Canadá, parecem partilhar dessa ideia, com toda a ambiguidade que a mesma contém. A exceção será Donald Trump, que tem uma clara preferência pela sobrevivência dos lobisomens. Por isso, saiu da cimeira ao intervalo, antes da chegada de Volodomyr Zelensky. Uma atitude arrogante, que ninguém ousou comentar.
Poderá ter sido igualmente uma questão de prioridades. Para Trump, a prioridade internacional é o apoio a Israel, seja quando este se defende, seja quando ataca. Isso significa fundamentalmente duas coisas: coordenar as iniciativas bélicas com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu; e fazer destacar para a região, nomeadamente para o Arquipélago de Diego Garcia, que é o nó fundamental da presença militar americana na zona a que pertence o Irão, o maior número de meios, quer humanos quer materiais. E não apenas para Diego Garcia. Os EUA têm múltiplas bases permanentes na vizinhança do Irão e uma frota impressionante de navios de guerra, incluindo os porta-aviões USS Carl Vinson e USS Nimitz, este último prestes a chegar, vindo do Mar do Sul da China, bem como vários outros navios de combate, submarinos, aviões de caça, de recolha de informações e de reabastecimento. Nos últimos dias, uma parte importante destes meios foi transferida da Europa e do Mediterrâneo para o Golfo Pérsico, o Oceano Índico e arredores.
Trump parece estar convencido que Israel conseguirá resolver o que Netanyahu e ele consideram essencial: destruir a capacidade nuclear do Irão, arrasar a sua potência militar, impedir o apoio às organizações radicais que atuam em países vizinhos, como por exemplo no Iémen, e provocar uma mudança de regime.
O presidente americano, embora armado até aos dentes, para o que der e vier, não quer ser visto pelos Estados do Golfo como o autor material da queda do regime iraniano. A sua recente visita oficial à região, realizada antes de qualquer outra, mostrou claramente onde se situam os seus interesses. Atacar a ferro e fogo um país islâmico, numa zona que considera fundamental para os seus dividendos pessoais, teria um impacto negativo sobre as suas ambições. Por isso, deixa Israel atuar e fala sobretudo de rendição e de diplomacia, referindo apenas com meias palavras a guerra e a eliminação física do dirigente supremo do Irão. Joga em dois tabuleiros: Israel e, por outro lado, os riquíssimos Estados do Golfo, a começar pela Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. É a política da ambiguidade, que tem simultaneamente em conta a política interna americana e as oportunidades de negócios com os dirigentes árabes do Médio Oriente. Além disso, simula que os iranianos querem negociar com ele. É uma falsidade, que Omã, entre outros, já desmentiram.
Para os restantes membros do G7, sobretudo para os europeus, a prioridade tem de ser a Ucrânia. O Irão é uma preocupação distante, que pede sobretudo um retomar das negociações diplomáticas que Trump sabotou em 2018, e que agora Netanyahu quer destruir à bomba. É igualmente um país culturalmente incompreensível. Quanto a Israel, trata-se de um sinónimo do genocídio em Gaza e da desgraça em toda a Palestina, ou seja, casos que devem ser tratados pela justiça internacional.
E assim aconteceu no segundo dia da cimeira, já com Trump pelas costas: a Ucrânia tornou-se o foco da declaração final. Mas o assunto foi tratado com uma timidez inesperada. O grupo dos seis restantes e a Comissão Europeia reiteraram que haverá uma ajuda acrescida e contínua à Ucrânia. Não condenaram, porém, os crescentes ataques da Rússia, que tem aumentado dramaticamente as agressões inadmissíveis contra alvos civis em Kyiv e em muitas outras cidades da Ucrânia. Dir-se-ia que tiveram medo de irritar Trump.
Os europeus estão convencidos que Trump será capaz de trazer Vladimir Putin para a mesa das negociações, ou melhor, fingem que o estão, porque a relação política com a atual Administração americana assenta num teatro de sombras, como é habitual quando se trata de lidar com poderosos incongruentes.
Como o afirmo repetidamente, Putin não quer negociar, mesmo quando finge que sim. Quer uma rendição incondicional da Ucrânia e a submissão da Europa, e tratar Trump como um bobo. Por isso, no que respeita aos interesses europeus, a solução é coartar ao máximo a economia de guerra russa e cortar cerce o devaneio de expansão imperialista dos seus dirigentes. Essas devem ser as nossas prioridades absolutas.
Muito longe do Irão e de Israel.
Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU