A Europa do poder ou do mercado
Na mesma semana, o presidente francês e os principais líderes industriais europeus apresentaram as respectivas prioridades para a Europa. Têm ideias comuns, mas as diferenças são óbvias e notórias. O presidente francês, acredita no poder do Estado para definir o lugar da Europa no mundo; os empresários, pedem mercado interno.
Emanuel Macron apresentou a semana passada o programa da presidência francesa da União Europeia (UE), que começa dia 1 de Janeiro. Macron acredita na União Europeia (aliás, acredita que a UE é a maneira de devolver à França o lugar no mundo que os franceses acham que devem ter) e tem uma ideia clara de como deve ser essa União. Quer uma Europa que compita com a China e os Estados Unidos. Soberania europeia, autonomia estratégica e gramática de poder, expressões que tem utilizado, são maneiras muito francesas de dizer que o lugar da Europa no mundo depende da forma como proteger a sua economia da concorrência global. É proteccionista, mas não é só isso. A ideia central é que o Estado (no caso, a União Europeia e as suas instituições) deve ser o pivot e o farol da Europa, que deve promover indústrias europeias e agricultura contra grandes e pequenos do resto do mundo. O portfolio do comissário francês, Thierry Breton, é absolutamente esclarecedor: mercado interno, digital e defesa. O que Macron pensa é que uma Europa mais autónoma e soberana terá de gastar mais com a defesa e de desenvolver as suas indústrias. E que uma coisa deve promover a outra. E ambas criar competências e poder na economia digital, onde a Europa está em perda.
Os principais industriais europeus, reunidos numa muito exclusiva associação das maiores empresas europeias (Paulo Azevedo, da SONAE, é o único português) podem eventualmente concordar com algumas destas ideias, mas o essencial do que defendem é uma ideia que tem quase trinta anos e continua por concretizar: o mercado interno.
Ao longo de 178 páginas, as maiores empresas europeias pedem, basicamente, que as regras e as condições para operar nos 27 Estados membros da UE sejam as mesmas. E que sejam fundamentalmente as do mercado livre e concorrencial. O que não quer dizer que todos, incluindo pequenas, médias e algumas grandes empresas europeias estejam de acordo. De resto, é por isso que os governos vão criando, aqui e ali, barreiras ao mercado interno e à concorrência. Porque acreditam que há sectores nacionais que agradecem a protecção. Em França, por exemplo, os agricultores, são muito eficazes a fazê-lo.
No essencial, estes empresários pedem a harmonização de regras e standards e a possibilidade de operar em todos os mercados com as mesmas condições, da etiquetagem da reciclagem às regras de insolvência, e, na energia, proteger o investimento europeu para que os custos da transição verde não pesem só sobre a produção europeia.
As diferenças entre o que pensa Macron e o que querem os maiores empresários são fundamentais para perceber por onde anda a Europa hoje em dia.
A necessidade de reagir ao regresso da competição global, de tomar mais conta de si e da sua área de influência e a saída do Reino Unido empurram a Europa política para uma grande visão que pede maior centralização do poder e mais competição com as duas potências (preferindo uma, obviamente). A Europa das grandes empresas quer um mercado interno para crescer (não se importando com alguma protecção contra a concorrência externa). Macron acredita na política e no Estado; os empresários, que se chega lá pela escala da economia em competição. São eventualmente complementares, mas são ideias diferentes.
Consultor em assuntos europeus