A Europa de Macron: Estado, poder e protecionismo
Emanuel Macron, desde dia 1 de Janeiro à frente da presidência rotativa do Conselho da União Europeia (UE), tem a virtude de ser o líder europeu com a ideia mais clara sobre o que quer para Europa. E o defeito daquilo que quer.
O que o presidente francês pensa sobre a UE está claro desde o seu discurso na Sorbonne, em Setembro de 2017: uma Europa com uma economia mais forte, mais autónoma e com mais poder no mundo. Tudo propósitos razoáveis. O problema está em como acredita que se chega lá.
Há algumas diferenças entre Macron e os seus antecessores. O actual presidente francês reconhece que o mundo mudou substancialmente e acredita que a grandeza da França, que todos têm desejado restaurar, se atinge pela grandeza da UE. Já quanto ao como, não é muito diferente da tradição francesa, em geral, e Gaullista em particular. Perante um mundo crescentemente competitivo e conflitual, com os americanos a terem novos focos de interesse, a China a crescer economicamente (e militarmente), e a Rússia a desestabilizar junto às nossas fronteiras, Macron acredita que a UE precisa de ser autónoma, e para tanto precisa de poder económico. E militar. E que isso não se consegue com um grande mercado. É necessário aquilo a que tem chamado a "gramática do poder".
Ursula von Der Leyen apresentou-se como a presidente de uma Comissão geopolítica, querendo com isso dizer que os grandes desafios da Europa estavam na sua relação com o resto do mundo. Macron concorda. A presidente da Comissão Europeia acredita que o caminho passa por liderar a transição verde e recuperar do atraso na economia digital. O presidente francês também, mas vai bastante mais longe. Emanuel Macron acredita que além da economia, falta à Europa política, prioridades e capacidade de as impôr. E isso, na tradição francesa, faz-se a partir do Estado, não a partir de um grande mercado e de uma economia aberta e competitiva.
Em entrevistas e discursos, Macron tem sido claro: a tal gramática do poder significa ter capacidade militar e disponibilidade para a usar, independentemente dos aliados; reindustrializar a Europa, por incentivo e empenho do poder político (daí a ideia de uma política de concorrência favorável à criação de grandes grupos europeus, e a tese de que a pandemia provou a necessidade de produzir mais na Europa, ou muito perto); ser mais protecionista no comércio internacional, para defender essas indústrias; e ser pragmático e realista na política internacional (daí a relação equívoca tanto com a Rússia como com a China), sem perder de vista o seus interesses (em África). No fundo, Macron acredita naquilo em que os grandes políticos franceses sempre acreditaram: no Estado. A novidade é achar que só à escala europeia pode haver poder com impacto global.
Tradicionalmente, a grande divisão europeia tem sido entre federalistas e não federalistas. Essa divergência está a ficar desactualizada. Os federalistas impuseram, desde Maastricht, uma dinâmica integracionista que é praticamente irreversível. Daí ser tão importante discutir a política europeia, muito mais do que apenas as instituições. As implicações da moeda única nas políticas fiscais e orçamentais de cada Estado membro; a definição de prioridades e interesses externos, e instrumentos disponíveis; uma concorrência mais ou menos favorável aos campeões europeus; barreiras ao comércio internacional, em nome do ambiente ou dos agricultores franceses, ou fronteiras abertas à globalização; definição, pelo poder político, das indústrias que devem ser promovidas, seja a pretexto da pandemia ou da política de defesa; competição fiscal entre Estados membros, ou não. Macron é claro quanto a cada um destes temas. É dos poucos.
Consultor em assuntos europeus