A Europa da Defesa
A União Europeia prepara-se para alterar as regras aplicáveis aos fundos de coesão, de maneira a permitir que os Estados-membros tenham mais flexibilidade para utilizar estas verbas para investirem na Defesa. Os fundos de coesão representam cerca de um terço do orçamento comunitário, num total de 392 mil milhões de euros entre 2021 e 2027. Segundo o Financial Times, que ontem avançou a notícia, estas alterações vão permitir que todos os anos várias dezenas de milhar de milhões de euros sejam investidos na Indústria de Defesa e em projetos de infraestruturas relacionados com esta área, como por exemplo a construção de estradas e pontes que permitam a passagem de divisões blindadas (um investimento que é considerado urgente em países como a Alemanha). Os fundos não poderão ser utilizados para a compra de armamento, mas os Estados podem investir na produção de armas e munições.
Este passo constitui, obviamente, uma resposta à vitória de Donald J. Trump nas Eleições Presidenciais. É sabido que Trump disse, não há muito tempo, que deixaria a Rússia “fazer o que quisesse” com os Aliados que não paguem as suas contribuições para a NATO. Haverá, provavelmente, muito exagero nas palavras de Trump, que quererá sobretudo reduzir a fatura suportada pelos EUA e, ao mesmo tempo, vender mais armamento aos Aliados europeus. Mas estas palavras do empresário que acaba de ser eleito novamente presidente dos Estados Unidos não podem deixar de servir de alerta para os europeus. Caso contrário, corremos o risco de, como disse Enrico Letta, termos um dia de “escolher entre sermos uma colónia dos chineses ou dos americanos”.
Aqui chegados, a primeira pergunta a que os líderes europeus deveriam tentar responder é simples: quais são os interesses estratégicos dos países que integram a União Europeia? E depois agir em conformidade. Sem essa reflexão estratégica, sobre onde estamos e onde queremos chegar - que os EUA, a Rússia e a China já fizeram há muito -, a Europa não sairá do pântano em que se encontra e os anúncios de mais fundos para isto e para aquilo não servirão de muito.
Um barco sem rumo está destinado a naufragar. Qual é, afinal, o nosso interesse comum? Ter fronteiras seguras a sul e a leste, ou ser um peão num jogo de xadrez jogado por terceiros? Garantir o acesso a fontes de energia seguras, baratas e sustentáveis? Travar a crise migratória? Manter a liberdade de navegação no Atlântico, no Mediterrâneo e no Mar Vermelho, de modo a garantir a segurança do comércio mundial, que é fundamental para o nosso modelo económico?
Para tudo isto precisamos de uma verdadeira Indústria de Defesa à escala europeia, apoiada por políticas públicas que defendam os interesses europeus nesta área, sem vergonha de parecermos protecionistas, pouco “modernos” ou mesmo iliberais. E por que não, se todos os outros blocos fazem o mesmo? Esperemos que a vitória de Trump sirva para a Europa despertar finalmente do seu longo sono e que, sem renegar a Aliança Transatlântica, saibamos garantir a nossa própria segurança.
Diretor do Diário de Notícias